ESCRITORA >> Whisner Fraga
a menina vigia as linhas que deformam a folha, decanta o inóspito vocabulário do desalento.
espio a cabeça debruçada no escaninho do inconcebível: dói por todos os poros um tom de desordem.
e a desordem tem gesto de pedra.
a menina maneja a caneta contra o repugnante silêncio do mundo: ela não quer que a história expulse o desconcerto.
escreve um céu arranhado por fumaças de fósseis metálicos inebriados de potência.
a menina quer uma história de piscinas, parques e férias e fatia a realidade em compreensões serenas.
atrevo a mão até os cabelos e um sorisso rompe a casca do isolamento.
pai, continua, continua, pai.
a menina lê um gato gripado, um gato só, um gato abandonado.
pai, continua: despejo a mão sobre a franja.
vamos, eu digo. vamos, e ela aceita o pedido ritmado.
a menina está ao meu lado e já escorrega e já dispara e já pula e já se cansa e vem se debruçar sobre um acaso de tábuas. aos poucos escala meu colo.
depois saca a caneta e a acarinha: pai, me conta uma história.
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