ACORDA, MENINO! >> Albir José Inácio da Silva
Imagem encontrada na internet
O que diz o menino que dorme na
praia? Talvez fale dos perigos do mar, da displicência dos pais. Ou de um
assassinato a ser esclarecido.
Mas é só um menino. Não deveria
nos dar esta sensação de naufrágio da humanidade. Há dias, não adianta acusar
governos, etnias, religiões, porque a falta de ar não cessa.
É lágrima que não pinga, não seca
nem escorre. É mais que um cadáver, é um assombro, uma dor insepulta de que
tentamos nos livrar.
E ainda suspeitamos de nós
mesmos. Em nome dos deuses fazemos coisas
que até o diabo duvida.
Duvida e se defende, dizendo que não chegaria a tanto,
embora comemore o resultado.
Queríamos não ter visto nem sabido
— maldito fotógrafo, maldita web e maldita imagem que, mesmo escorraçada da
memória, dorme no tapete da sala e à noite repousa no nosso travesseiro,
naquela pose mesma que o mar beijava.
Fica-nos a sensação de que Alá
deu de ombros, Jeová lavou as mãos e, embriagados na bacanal do Olimpo, os
outros também ignoraram o presente de grego numa praia do Mediterrâneo.
Enquanto isso, no Hades, dançando
e atualizando Castro Alves com outras infâmias no mar, ri-se Satanás.
P.S.: Esta crônica integra o projeto "CRÔNICA DE UM ONTEM" e foi publicada originalmente no Crônica do Dia, em 07/09/2015.
Comentários
existe crônicas de um ontem e existem crônicas de ontem e existem as que permanecem. penso que este ultimo seja o caso desta, que (pecado meu) só li agora.
no final a triste constatação, independentemente de tudo, somos todos meninos dormindo na praia.