REPETÍVEL >> Carla Dias >>
Tudo se repete... Nós nos repetimos.
Até sonho que foi sonhado há pouco cai fácil no loop da existência. Você empresta o seu sonho ao outro, contando a ele os detalhes dos quais se lembra. Se não for sonho sonhado, mas sim construído, você desfia minudências, mas algumas guardadas somente para si, até que algum biógrafo — de profissão ou janela — o desvende.
Quando você escuta alguém dizer “mas conheço alguém que passou exatamente por isso” é como se morresse o ineditismo da sua história. O jeito é sorrir e compreender a complexidade da sua experiência com a versão de um contador de histórias de vida de outra pessoa.
Não à toa as pessoas buscam por quebrar recordes, ultrapassar limites, atingir o cúmulo da superação. Aliás, “superação” é uma palavra que não me cai bem, de tanto que vem sendo usada para justificar o óbvio. Acabou perdendo o cabimento, o sentido ficou esgarçado. Superação anda coisa digna de ibope, sempre inspira compartilhamento, após ler a manchete. Raramente a pessoa quer saber do caminho que levou a tal superação, da história, o todo. É durante o caminho que descobrimos o motivo da nossa repetição ser capturada, assim, num repente, pelo improviso.
Particularmente, os caminhos me interessam.
Mas a questão é que tudo se repete. Provavelmente, você dirá “eu te amo” ao mesmo tempo em que outras pessoas desse mundo, e logo depois, outras tantas farão o mesmo. Se a vida andar complicada, tendendo a sacanear sua existência, pode ser que outra pessoa diga “eu te amo” ao mesmo tempo em que você e para mesma pessoa.
Quem disse que a vida é fácil?
Repetição endossa certeza. Se todos dizem “eu te amo”, todos também tentam ser únicos ao fazê-lo. Nem sempre dá certo, mas quando dá certo, até canção digna de hit parade pode nascer. E filhos, claro.
Comédia romântica é repetição à exaustão. E por mais que você tente esconder, se o diretor é bom na repetição, e a trilha sonora corroborar, a comédia será de lindeza ímpar, como se fosse nova em folha.
Não é. Apenas o filme é novidade, não as armadilhas do amor e do cinema.
Tem coisa que entristece por se debruçar — folgadamente — na repetição. Guerras não mudam de tema, apenas de ano e de modelo. Violência se repete em releituras inacreditáveis. Neste momento, alguém diz tolices para justificar levantes. As mesmas tolices que serão proferidas para convencer ignorantes de que a guerra vale a pena.
Não à toa, brindo aos que sabem repetir com graça, enquanto buscam a descoberta. Aqueles que voltam ao ponto e redescobrem o assunto.
A repetição pode existir, contanto que exista também o risco de sua consequência ser inédita. Contanto que ela nos sirva como aprendizado.
Imagem © Carlos Eduardo Drexler
carladias.com
Comentários
Albir... Adorei isso :)