FAZ FALTA UM INTERLOCUTOR >> Mariana Scherma
Morar
sozinha tem suas grandes vantagens. A cama de casa que você ocupa do jeito que
quiser, pode dormir na diagonal sem receber chutes suaves (ou não) na madrugada.
Pode deixar o livro perto, ou vários livros. Sabe que, quando chegar do
trabalho, as coisas vão estar do jeito que você deixou. Inclusive seu chocolate
importado vai estar lá, intocável e esperando pacientemente por seus dentes ferozes.
Tem o espaço do guarda-roupa todo para suas coisas e aí pode se dar ao luxo de
comprar uma coisinha ou outra desnecessária. É bom morar sozinha. Mas tem dia
que não.
Bem nos momentos em que não é legal viver by yourself é que as coisas mais bizarras, engraçadas e atrapalhadas acontecem. Não sei se com todo mundo é assim, comigo é. Morar sozinha deixa de ser bom quando você desliga o chuveiro e percebe que a toalha está no varal, você grita mãe no pensamento e nada acontece, sai pingando água pelo apartamento, resgata a toalha e percebe que, ops!, estão pintando o prédio por fora, bem perto da janela. Ai, caramba! Não bastasse o pintor ter visto você meio (totalmente?) à vontade, vai ter que pegar o rodinho e secar o caminho da sua vergonha. Óbvio que na hora de sair para o trabalho o pintor vai estar por perto. A esperança é que ele não a reconheça vestida e de cabelo seco.
Para
os momentos de fome, eu tenho 300 revistas de receitas com tortas, bolos, arroz
de forno e cia. que super poderia preparar. Mas prefiro só folheá-las mesmo. Você
pensa: fazer uma torta só pra mim? Putz, nem tenho farinha. Vou ligar pra
pizza/lanche/pão de queijo/melhor amigo. Imagino que seja por isso que os
amigos do trabalho adoram quando eu cozinho. Eles sabem que no dia seguinte vai
sobrar pra eles... Admiração eterna pra quem faz refeições completas pra si mesmo.
Seja quem você for, sou sua fã. Sem contar que a logística dos produtos
comestíveis pra quem vive sozinho é complicada: o leite dura muito, o pão dura
pra sempre, a manteiga Aviação não chega ao fim. Bom, mas o chocolate acaba. O
sorvete também.
Dia
desses, minha lâmpada queimou. Só porque ela fica dentro de um globo e eu
detesto pedir favor, chamei o eletricista. Ele trocou. Tudo certo? Não. Decidi
que subiria na escada e deixaria os parafusos do globo mais soltos, porque aí
na próxima vez que a lâmpada queimasse eu poderia trocar sozinha a porcaria.
Eis aí o tipo de ideia que, se dita em voz alta, alguém a corrigiria com um
necessário “isso é ser burra”. Eu mesma reli a frase e me considerei levemente
aquém dos genes intelectuais dos meus pais. Mas fiz isso, estava convencida.
Durou uma semana o globo daquele jeito capenga. Bem quando eu estava no sofá
lendo a parte mais tensa do meu livro de terror, o globo considerou um bom
momento para o suicídio. Precisa falar que eu quase pulei até o teto? Passei
minhas horas vagas catando cacos — sozinha. Bom pra aprender. Bom pra contar.
Quem disse que morar sozinha é só delícia? Às vezes, falta um interlocutor
cheio de razão.
Comentários
Mesmo para quem gosta da solidão, às vezes faz falta um interlocutor. :)