RESSALVA >> Carla Dias >>


Boca que não se abre para dizer palavras, quando tudo que o momento pede é declaração, aprisiona um sem número de possibilidades. Como a de posicionar sentimento no canto que lhe cabe, naquele capaz de abrigá-lo e nutri-lo, equilibrá-lo ao entorno da alma.

Que esse arrabalde, no qual se deitam as meninas-alegrias, quando esquecido de vez as leva a sucumbir ao vazio. Nada contra o vazio, contanto que ele não fique por tanto tempo deserto. Esvaziar-se é preciso, que coração não se dá bem com lotação de impropérios. Esvazia-se para então reaver o que realmente lhe é importante.

Cogita lançar ao mundo a frase feita que mais lhe agrada: o que tiver de ser será. Sabe que ela é vedete em muitas canções ruins, e de poemas indignos de serem considerados tais. Ainda assim, a ideia de dizê-la, reverberar o som das palavras dessa frase, faz com que seu corpo se alimente de certo tremor. Até uma frase feita, maltratada na sua aplicação, com seu sentido às vezes atravancado pela ironia, pode mudar um tudo.

Um tudo feito este, quando ele se curva sobre alambrado, observa vinte e seis andares abaixo de si. Quando o vento lhe bate barulhento, fazendo com que ele engula suspiro, quase se engasgue com ele. Lá embaixo, telhados de casas, ruas arborizadas, uma paz que é paz porque é definida pela distância. Ele sabe que se olhasse de perto, enxergaria as violências cotidianas.

Seu silêncio se refestela pesado no recinto. Ela diz, e as palavras ecoam pelos cômodos da casa, agudas, enfatizadas pelo desejo de finalizar enredo. Ele não compreende quando foi que isso aconteceu; que eles começaram a caminhar pela casa sem que seus olhares se encontrassem, ou um se deitava mais cedo, para se poupar da conversa fiada de antes de dormir.

Ela diz todas as palavras que deseja, desprende-as do peito, jogando-as ao mundo. Não se importa se para ele as tais parecem indigestas.

Não pode dizer que não tentou. Quantos são os que tentam e, ainda assim, acaba dando tudo errado? Viver junto, de conjunto, de companheirismo, de parceria, de chamego, de conta conjunta, de tevê na sala, no quarto e na cozinha, da disputa pela varanda, da seriedade das conversas, da aposta para ver quem fará supermercado, não é fácil. Não funciona com fórmulas. Quando ela silencia, ele escuta passos apressados e porta sendo batida. Então, respira fundo. Abre a boca e diz: o que tinha de ser se foi...

Não pode culpá-la, tampouco a si. Eles foram pegos de jeito por outras tantas frases feitas, ferramentas que, utilizadas homeopaticamente, cultivam muros, arpejam afastamento.

Recolhe-se ao quarto, deita em sua cama king size, chora a falta fresca, a saudade no prefácio, os espaços da casa esvaziados da presença dela, que sempre reclamou da moderação de palavras dele ao verbalizar o amor que antes jurou que sentia por ela.

Imagem © freeimages.com 

Comentários

Zoraya disse…
Todos os homens deveria ler isso, Carla, todos mesmo.
Carla Dias disse…
Zoraya... Alguns leram e fizeram de conta que não...

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