A GRAMA DO PASSADO É SEMPRE MAIS VERDE >> Fernanda Pinho


Sofro de nostalgia. Sempre suspeitei mas cheguei ao diagnóstico definitivo semana passada, quando ouvi por um acaso uma música que tocou muito nas rádios (e na MTV, que ainda existia e era legal) nos idos de 2003 e 2004. Fui envolvida por uma sensação tão boa durante aqueles quatro minutos e pouco, como se aquela tivesse sido a melhor época da minha vida. E, posso apostar, se tivesse me aparecido um gênio da lâmpada durante aqueles quatro minutos e pouco e me sugerido uma voltinha por aquele passado eu teria topado sem nem pestanejar (acho essa expressão "sem pestanejar" legal, embora nenhuma das minhas decisões estejam vinculadas ao ato de pestanejar). 

Depois que a música e a magia daquele momento acabaram, porém, me veio uma lembrança muito forte, estilhaçando o momento: "mas, peraí, eu odiava essa música". Odiava mesmo, achava chata repetitiva, pegajosa e irritante. Aliás, talvez nem fosse culpa da música, mas do momento em que eu estava que, por uma série de fatores, tendia a achar tudo irritante. Como tenho uma memória violentamente boa para datas, remontei minha situação da época. Não era a pior vida do mundo (justiça seja feita, a minha vida sempre passou longe de ser a pior do mundo), mas tampouco era a vida que eu queria. O que eu queria naquela época era exatamente o que eu tenho agora (com exceção dos dez quilos a mais que eu nunca quis mas, tudo bem. Não sou Deus. Nem juiz.).

Cortei minha onda imediatamente e caí na real. O saudosismo é um aval para a gente reclamar do agora como se a grama do passado sempre tivesse sido mais verde. "Antigamente é que era bom". Depende do conceito de "bom". Vamos lá. Ter que rebobinar a fita sob o risco de pagar multa na locadora: um saco. Ficar o dia grudado na rádio esperando passar a música preferida para gravar com a participação especial do locutor fazendo merchan por cima do refrão: um exercício de paciência tibetana. Esperar dar meia noite para conectar à internet: uma tortura. Deixar o telefone ocupado durante o uso da internet e ter que dividir um computador com todos os moradores da casa: motivo de altas tretas familiares. Não poder sair de casa porque estava esperando uma ligação: um porre. Ser criança e ter o desenho interrompido pela propaganda eleitoral gratuita, sem Youtube ou TV a cabo como alternativa: traumatizante. Só conseguir ver nossos artistas preferidos fazendo dublagens medíocres em programas de auditório: o fim da picada. Perder o contato com pessoas maravilhosas que viviam longe por causa do preço do interurbano e da morosidade dos Correios: triste. Chamar autoretrato de selfie: ah, não, isso era legal. Nem sei porque mudou. Poder tirar apenas 36 fotos em um mês de férias, sob o risco de 3 fotos queimarem, em outras 3 cortarem sua cabeça e mais 3 saírem tremidas, chegando a um pífio número de 27 fotos úteis: deprimente.

Então, minha gente (ou Fernanda do futuro), vamos aproveitar esses tempos loucos de selfie, fotos de comida do Instagram, grupos de fofocas no Whatsapp e pegação via Tinder. Tempos em que relacionamentos nascem, crescem e morrem por culpa das redes sociais, em que ainda podemos pular a maioria dos anúncios do Youtube, em que podemos acessar qualquer informação via internet. Acompanhemos os memes, as it girls e as blogueiras fitness. Vamos dar uma chance para o best seller do ano e para o restaurante do momento. Vamos aceitar os convites mesmo sendo necessário camuflar uma preguicinha secreta. Porque chegará o dia em que tocará Happy, de Pharrell Williams, no rádio (ou dispositivo semelhante) e uma lágrima de saudades rolará por nossos olhos. 

Comentários

Zoraya disse…
hahaha, falou tudo, Fernanda. Adorei o título também.

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