O MENINO PASSARINHO >> Paulo Meireles Barguil
Era uma vez um menino que desejava voar.
Correr era algo que ele gostava de fazer, mas não o saciava, tamanha a sua vontade de conhecer outros lugares.
Enquanto não aprendia a nova habilidade, exercitava ao máximo as suas pernas, pois acreditava que elas seriam necessárias no momento da decolagem.
No colégio, adorava jogar futebol e brincar de pega-pega.
Era fora da sala de aula que ele, assim como para quase todos os estudantes — de ontem, hoje e, talvez, amanhã — tinha seus momentos mais divertidos.
Quando ele tinha 9 anos, ao retornar do recreio, ouviu um barulho fora da sala e pediu à professora para ver o que estava acontecendo.
— Por essa porta, você não passa! — respondeu a mestre.
Para conciliar o seu desejo e a negativa da professora, o menino decidiu pular a janela.
A gritaria foi enorme: os colegas rindo e a docente chamando-o de volta...
Ao retornar da investigação, como era de se esperar, foi encaminhado à Diretoria.
Nesse ano, os conflitos do menino na escola só aumentaram. Seus pais, por não saberem o que fazer, decidiram o colocar numa gaiola.
O menino cresceu, mas nunca desistiu de voar.
Tal qual um presidiário, utilizava a maior parte da sua energia esboçando planos uma improvável fuga do cativeiro ou do que gostaria de fazer quando a liberdade lhe fosse, enfim, restituída.
Outro passatempo preferido era descobrir os pontos fracos dos seus carcereiros, os quais estavam sempre mudando.
Apesar de tudo, ele continuava a correr, mas sem o mesmo ânimo de outrora. A bicicleta, companheira de longa data, era uma alternativa interessante para explorar o mundo.
Os ponteiros continuavam a rodar e ele descobriu que uma motocicleta — por ele batizada de Vitalina, em homenagem à música Vital e sua moto, dos Paralamas do Sucesso, e numa referência jocosa ao seu estado emocional — era ainda melhor!
Durante quase 2 décadas, andar de moto, mesmo que de forma cautelosa, permitia que o menino sentisse que estava voando.
Há quase quatro anos, um acidente com as suas asas postiças retirou dele uma das suas maiores alegrias, bem como, temporariamente, a sua capacidade de andar.
O processo de cura — física e emocional — foi demorado, mas ele conseguiu, além de voltar a correr, fazer as pazes com seu (suposto) algoz.
E comecei, enfim, a voar...
Comentários
De início o menino pode pensar que o mundo que ele quer voar é o mundo das coisas.
A vida lhe deu outras asas para ele entender que o mundo ao qual queria passagem era o interior, onde há o bem mais precioso da vida: nossos sonhos, nossos desejos, nós mesmos, como somos e merecemos expressar-nos.
Que o menino recolha as lentes e debruce o olhar ao amor, a ele dispondo-se e despindo-se a ser nudez, sem nenhuma castidade. Apenas a força da vida, na sua expressão Divina.
Assim seja!
E continue a mexer com as janelas, seja pulando, abrindo ou fazendo serenatas para elas.