O CAMISA-VERDE (Continuação) >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação)
Quando os homens da lei
desafivelaram seus próprios cintos, Dito estremeceu. A coisa podia ser bem pior que uma morte pura
e simples – apavorou-se.
Mas as ditaduras podem ser
generosas quando o adversário não representa grande ameaça. E tudo o que Dito
experimentou foi uma surra de cintos militares e civis. Siá Maria o encontrou
um frangalho, deitado numa folha de bananeira e coberto com outra. Se sua pele
não estava muito íntegra, dignidade e macheza foram preservadas. Até porque
surras não lhe eram novidade e não maculavam sua honra.
Siá Maria cuidou dele como
sempre, lavou, aplicou compressas, ungüentos e rezas por três dias. No quarto
dia ele se levantou, colocou roupa limpa, procurou trabalho, foi à igreja, se
confessou e espantou primeiro Siá Maria, depois a todos. Pagou dívidas, pediu
desculpas, agradeceu, participou de mutirões.
Veio a guerra e Dito felizmente
não participou, arrimo de Siá Maria, que mentiu para o sargento do alistamento,
dizendo que só tinha ele de filho. A comunidade, que a essa altura gostava dele,
silenciou, e Dito foi poupado.
Dito acompanhou entusiasmado a
campanha na Itália e a volta dos pracinhas. Seu nacionalismo, que tinha
silenciado a vergastadas, não arrefecera, apenas mudara de lado. Estava mais
brasileiro que nunca.
Getúlio Vargas, herói que tinha
derrotado o eixo, estava agora ameaçado. Exigiam que ele entregasse o poder,
numa tal de redemocratização. Um absurdo de ingratidão. E como Dito não estava sozinho nesse
entendimento, marcou-se uma manifestação de apoio a Getúlio na Candelária, lá
no Rio de Janeiro.
Siá Maria, que levantava antes do
Sol, estranhou que Dito acordasse tão cedo, mas calou porque ainda não sabia de
nada . Dito pediu uma certa roupa que não usava para trabalhar.
- Cê vai aonde, Dito?
Ele custou a responder, o que fez
sem olhar pra ela, como se discursasse de cima do coreto:
- É um absurdo o que tão querendo
fazer com Getúlio. Mas não vai ser tão fácil, não! Nesse país ainda tem macho
de coragem!
Siá Maria ficou só olhando.
Dito encheu com três cacimbas o
caldeirão de ferro e foi pra casinha no fundo do terreiro. Siá Maria andou até
o marmeleiro. Quando ouviu o barulho da primeira cuia de água caindo, ela
entrou na casinha.
- Quê que é isso, Siá Maria, eu
tô pelado?!
- Pois é assim mesmo que eu te quero.
Quando as quase indestrutíveis
varas de marmelo atingiram pela primeira vez as costas, Dito, que tentava
proteger o rosto, fez um escândalo. Depois foi diminuindo o volume. Perdeu a
noção de tempo, mas foram muitos minutos.
No final já não gritava, gemia guturalmente a cada fustigada. Siá Maria
saiu do banheiro e deixou cair no chão o que sobrou da rama.
Dito não vestiu a roupa, mas
amarrou a toalha na cintura. Mingau de fubá e café já estavam na mesa quando entrou.
Enquanto ele comia, Siá Maria aplicou compressas e unguentos nas suas costas.
Depois foi ao roçado avisar que ele acordou com desarranjo e não ia trabalhar.
Dito, hoje, velhinho, acha que em
política não há lado bom. E que quanto mais longe, melhor.
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