DANDO UMA AJUDA A SANTO ANTONIO...
>> Zoraya Cesar

O dia amanhecera chuvoso e friorento, contrariando a previsão meteorológica da noite anterior, que prometera sol e calor. Nada a estranhar, pensou ela, essa gente não acerta nunca. Assim como eu, suspirou.

No ano passado ela não conseguira sequer assistir à missa, a água benta não passara nem perto. Tinha plena convicção de que não arranjara ninguém decente por causa desses inconvenientes. 

Os últimos namorados estavam enfileirados num colar de fiascos, um atrás do outro, sem falhas. Senão vejamos... Marcos Simão era tão folgado que, no segundo encontro, perguntou se não poderiam viver logo juntos, pois ele morava longe e o apartamento dela era melhor. Carlos Washington cuspia enquanto falava e ela fingia que não se importava em ficar com o rosto constantemente úmido, mas no dia em que ele começou a chupar os dentes pra limpar a saliva excessiva, ela desistiu; aquilo estava dando nos seus nervos. Wenceslau a fazia morrer de vergonha, porque nunca dava gorjeta e vivia arranjando confusão para provar que era macho. O último, Jackson Mauricio, era carinhoso, mas tinha um complexo de Édipo muito mal resolvido e, tão logo o namoro começou a tomar rumos mais sérios, levou a mãe para morar com os dois, dizendo que tinha de ficar junto das mulheres da sua vida. Ela terminou o namoro, mas se sentiu péssima. Será que não estava sendo muito exigente?

Foi conversar com o padre da paróquia, afinal, era devota de Santo Antônio desde sempre, e, ainda assim, quanto mais rezava, mais assombração aparecia. Falou, falou, chorou, chorou. Quando disse já estar pensando em virar uma freira, o padre virou uma fera, aquilo era coisa séria, vocação para ser esposa de Cristo, não alternativa para casadoiras desesperadas, ficasse quieta, por favor, que estava pensando em como ajudá-la. Moama calou-se, envergonhada. 

"Filha, Santo Antonio não tem nada a ver com isso, o encontro é fortuito, mas a escolha é sua. Continue rezando e esperando, que sua hora vai chegar". Mas Moama parecia tão desconsolada que ele ficou com pena; era da sua natureza e da sua profissão compadecer-se da dor alheia. Ela não queria consolo, queria solução rápida, e se ela precisava de uma assertiva, ele daria: "Filha, pede para São José. Santo Antonio deve estar mesmo muito ocupado nessa época, e São José é o esposo perfeito, por que não pedir a ele?" Ela sorriu, boa ideia! O Padre deu-lhe a bênção e foi embora, Moama não era a única a procurá-lo nessa época de solidões, de dia dos Namorados, de Santo Antônio.

Ela ficou satisfeita, sim, esse ano encontraria o grande amor de sua vida, que a tiraria daquele vazio existencial que a levava, lentamente, para o desespero da solteirice irremediável. 

Já havia pelo menos uma centena de pessoas no convento quando chegou. Ela esperou debaixo de uma chuva fininha e fria, e, aos poucos, começou a perceber os murmúrios ao redor. Pessoas pedindo saúde, emprego, união. Ao seu lado, uma jovem que parecia ter dezessete anos, se tanto, desfiava o rosário pedindo para o pai parar de beber; uma senhora idosa pedia pela saúde da sobrinha; um senhor de terno chorava ajoelhado no chão frio e molhado, tão sentidamente, que Moama começou a chorar também. 

Ela baixou a cabeça e  agradeceu por sua saúde, sua família unida, por não ter tão graves problemas como os daquele senhor. Pediu perdão por ser tão chatinha e prometeu que, enquanto o homem certo não aparecesse, ela não ficaria com o errado. Iria aproveitar para fazer algum trabalho voluntário, ajudar alguém. E que, Santo Antonio ficasse descansado, ela iria dividir sua vontade casamenteira com São José. 

Finalmente conseguiu entrar, ouvir a missa, receber uma chuva de água benta (qual era mesmo o nome daquele namorado que cuspia enquanto falava?). Saiu leve e feliz.

Passou por uma imagem de São José, parou e disse "alô, meu Santo, se prepare que eu vou começar a te procurar, quero ser uma boa esposa para um bom homem". 

Se você acha que esse negócio de rezas e finais felizes não existem, a história termina aqui. Vida que segue. 

No entanto, se você faz parte do grupo que acredita em redenção, amor, surpresas, continue a ler. A história toma rumos mais ou menos esperados.

Na saída do convento um homem de estatura mediana, careca, grandes e expressivos olhos castanhos, promovia a obra de caridade com idosos abandonados — os seres mais solitários do mundo —organizada pelos devotos de São José. A voz era agradável. Não usava aliança. Ela pegou o folheto.

Moama entrou no trabalho voluntário mas eles não se apaixonaram. Nem poderiam, pois ele era padre, já tinha feito sua escolha. Ela casou foi com um primo dele, um homem bom, que procurava uma boa esposa, e sei que você já sabe o final dessa história, mas me permita o prazer de contá-la mesmo assim: viveram felizes para sempre e o primeiro filho se chamou Antônio José. E como ser diferente?

Feliz Dia de Santo Antonio. Mas reze também para São José...

Comentários

Rolim disse…
Parabéns Zoraya! Sempre lindo o seu trabalho!
Um grande beijo!
Élida Rolim
Ih, Zoraya...
Depois dessa sua crônica, o pobre do São José não vai ter mais sossego. :)
aretuza disse…
agora são josé vai ficar muito ocupado, pode fazer mais uma crônica dando sugestão de outro santo casamenteiro?
Ju França disse…
teus contos sempre envolvem a gente de tal forma que vamos seguindo ansiosos a leitura até os desfechos sensacionais. Mas tem uma música meio que sertaneja do Xangai ( Quem casou, casou), que diz que Santo Antonio está chateado, pq arruma casamento, mas ninguém cumpre as promessas, por isso, agora, não ajuda mais ninguém, quem se casou, casou, quem não casou não casa mais rsrsrsrs. Talvez, tenha sido esse o problema de Moama! rsrsrs Mas o final foi feliz! Adorei
pois, então, há quem diga que um bom marido que dê conta do recado, a gente pede é pra São Benedito.

Mas se é pra não sobrecarregar os pobre coitados dos santos, que de tanto ouvir pedidos de casamento, já fazem ouvidos de mercador, o melhor é investir num consórcio milagreiro... aí vai um bom exemplo de oração:

São Baltazar, eu quero casar.
São Benedito, com um cara bonito.
São Prudente, que seja decente.
São Luiz, que me faça feliz.
São Manoel, que seja fiel.
São Edmundo, que não seja de todo mundo.
São Tiago, que não seja viado.
São Irineu, que seja só meu.
São virtuoso, que seja gostoso.
São Raimundo, que não seja vagabundo.
São Benjamim, que ele goste de mim.
São Vicente, que ele seja quente.
São Guiomar, que ele saiba me amar.
São Pedro, que ele me ame sem medo.
São Gabriel, que ele seja doce como mel.
São Simão, que ele não seja um bundão.
São Malaquias, que ele me ame todos os dias.
Santo Agostinho, que ele faça direitinho.
São Longuinho, que não seja fininho.
São José, que "ele" esteja sempre de pé.
São Nicolau, que seja grande o seu...coração!
Maria disse…
Como sempre, um prazer de ler!!!
Bjs
Mary
Anônimo disse…
Zo, que linda crônica!
Eu sempre agradeço muito a Santo Antonio, Santo preferido de minha avó Tereza, que sempre nos falava - ele não deixa faltar o pão em nossas casas - pão material, pão do conforto, da alegria!
Mas na dúvida, valhei-me São José!
bjs
Cecilia
Unknown disse…
Ah... que fofinha... bom não sobrecarregar santo António mesmo. Ele já anda muito ocupado. E não adianta pq ele não está com tempo de filtrar. Só vai rolar traste. São Jose é uma boa alternativa rs
albir disse…
Santo de casa não faz milagres, mas tem um amigo santo que pode ajudar.

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