LEMBRETES >> Carla Dias >>


Vou me posicionar geograficamente no ilusório para você tentar entender: céu. Nem sempre há sol, mas quem me sabe também sabe que a chuva me basta. Às vezes, é infinitamente solitário, porque o céu, para quem não tem asas, limita ao bom uso de uma nuvem, e normalmente elas são preguiçosas. Então tudo segue ao ritmo da languidez, mesmo quando temos de lidar com urgências.

Para os realistas de plantão, que não querem se balançar em nuvens ou tocar o céu com o olhar: analgésico. Quer coisa melhor do que ver dor sumir, assim, em um comprimido? Só que os analgésicos não são dos meus bálsamos preferidos: cafuné, abraço, beijo, enroscamento de pernas são bem mais eficazes. Eles não cessam a dor, mas certamente fazem com que nos esqueçamos dela, às vezes, até ela passar.

Aos desavisados: curativo adesivo para os machucados oriundos dos tombos emocionais. Quando necessário, antisséptico para evitar a proliferação de mágoas, porque as mágoas não nos levam a lugar algum. Ao contrário, elas nos atracam em lugares hostis em nós mesmos. Cantinhos que ainda precisam de um bom trato para caberem bem dentro da gente.

E prometo aos carentes que uma das melhores saídas para perceber a si merecedor de afeto é atirar-se à vida. Se você for dos que amam listas, e as respeita o suficiente para ticar seus itens, não se esqueça de incluir nelas “comprometimento”. Comprometer-se consigo é uma das tarefas mais complicadas de qualquer lista de qualquer pessoa. Comprometer-se com a possibilidade de ser amado é, também, abraçar esse direito. Aos que fazem listas e as deixam em casa: um naco de esquecimento é sempre bom. Dê ao passado o que lhe cabe: vaga em um calendário vencido.

Talvez a sua carência, imaginativa que sempre foi, já tenha pintado tantas expectativas na sua alma que a espera é das idealizadas. Então, comprometa-se a se descompromissar do ostensivamente desejado. Apegue-se ao pela vida oferecido.

Para quem gosta da solidão, como fio-condutor para mergulhar em si, na tentativa de perceber o mundo: “Blue in Green”, Miles Davis, 1959, vinho da preferência e uma boa vista da janela. Comece com essa música, mas escute o disco inteiro. Não há nada que remeta à solidão escolhida, à melancolia poética com tanta profundidade quanto Miles Davis tocando trompete, instrumento que ele faz soar belamente como poucos.

Lembre-se: bálsamos são necessários. 



Comentários

Unknown disse…
Belíssimo, Carla!
Obrigada por nos presentear com suas palavras...
Adorooo!
Beijo!
Anônimo disse…
Carla, Parabéns pelo seu talento! Suas crônicas são encantadoras... Abraços
Anônimo disse…
Carla, Parabéns pelo seu talento! Suas crônicas são encantadoras... Abraços

Ana Soares
Zoraya disse…
Mais uma da série Lirismo em Altas Doses. E ainda por cima com trlha sonora de alta qualidade.
Carla Dias disse…
Silvia... Obrigadíssima! Beijo.

Ana... Abraços outros e obrigada por me ler.

Zoraya... Adorei o “Lirismo em Altas Doses” : )

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