ISADORA FABER CONTRA A POLITIZAÇÃO EDULCORADA >> André Ferrer

Assusta-me saber que uma estudante de 13 anos teve, há poucos dias, a casa apedrejada porque opinou - e reivindicou melhorias - a respeito das condições estruturais do seu segundo lar: a escola.

Horroriza-me o viés que o Fantástico adotou na matéria exibida ontem, dia 11, quando mostrou professores e gestores da tal escola reunidos ao redor de uma mesa, como se a “ameaça” não fosse Isadora Faber e a sua página no Facebook, mas um serial killer. Uma professora ouvida na matéria beirava a histeria. O telespectador que ligasse o televisor naquele instante pensaria logo em ameaça de morte por bandido ou traficante.

A minha geração – que, pela aparência na tela do televisor, é a geração da tal professora – cresceu ouvindo que era alienada e, de certa forma, desenvolveu mecanismos compensatórios, ou melhor, uma carapaça frágil e superficial. Na verdade – vamos lá -, um engajamento hipócrita.

Eu procurei acompanhar Isadora Faber durante dois meses. Ela faz a política que qualquer cidadão deveria fazer. A política saudável que se opõe à política partidária: essa grande oportunidade de mudar de vida apresentada aos alpinistas, pretensamente “engajados”, a cada quatro anos.

Apregoam-se os direitos da criança e do adolescente sobre os palanques e, como acontece sempre na política, o ângulo é o mais venal possível: saúde, educação, integridade física. Nunca se abordam temas do “Estatuto” que não estejam no centro das manchetes policiais, isto é, nunca se fala daquilo que não cause comoção em atrações como o Fantástico, o Programa do Ratinho ou o jornal do Datena. É o caso da integridade psicológica – que envolve agressões quase sempre mascaradas no âmbito social – e que apenas é abordada quando está vinculada a uma expressão da moda como “bulliyng”.

A violência sofrida por Isadora é contra o direito de expressão. Ela estaria no centro daquela roda de professores e teria todo o apoio dos gestores caso morasse em outro país. Estaria, sim, se a geração pós-abertura tivesse, de fato, desenvolvido a capacidade de viver na democracia.

“Antigamente, a escola formava cidadãos. Quem era jovem em 1968 integrou a última geração politizada no Brasil. Na minha época, os estudantes eram mais cultos e responsáveis.”

As afirmações acima, na boca de pais e professores, edulcoraram o processo de educação depois da abertura política. O tom era marxista, mas lá no fundo identificava-se a banda militar, a marcha cadenciada da “Família com Deus pela Liberdade” e o jingle do Milagre Econômico “Este é um paísque vai pra frente, oh, oh, oh, oh, oh”!

Comentários

Evaristo disse…
André, esse é um recorte interpretativo meio problemático. Será mesmo que a politização necessária hoje poderia espelhar-se na dos anos 60? Muita coisa mudou. Nos anos 60, a escola pública era outra, era centro de excelência de ensino, e reunia a nata da classe média, e não os pobres. Hoje, não mais. O ensino público ganhou em abrangência, mas nesse processo perdeu qualidade. Em parte pela era tecnológica que cada vez se torna mais densa em nossa vida, quanto pela deturpação de mecanismos pedagógicos vindos de Paulo Freire. A progressão continuada é a maior aberração do atual sistema, pois é calcado numa amorosidade obtusa (que, aliás, é uma bandeira cara ao PT "viável"). Amorosidade obtusa, piegas. A alienação hoje não está mais em ser de esquerda ou de direita. A implicação é muito mais sutil. Isabella é uma minoria que quer fazer alguma coisa. Porque sabe. Está na hora de o Brasil abordar o tópico "meritocracia", sem tanto assombro e com a mente mais aberta.
mãe educadora disse…
André, talvez o seu desabafo, que também beira a histeria, esteja tanto quanto prejudicado haja vista sua visão bastante tedenciosa em defender tal criança. A minha indignação quanto à reportagem exibida é que os pais, que demonstram ser coniventes aos desaforos publicados pela Isadora de forma tão abusiva e agressiva, e que denigrem a imagem de outros (bulliyng) sem dar a chance de se defenderem; deveriam sim, é exercerem seus papéis de educadores e mostrar à filha que a reinvidicação por melhorias em sua escola pode ser feita de maneira educada e respeitosa, e não ficarem aplaudindo este comportamento ridículo em alimentar o ego desta pobre criança que se acha no direito de publicar, de forma desrespeitosa, suas maldosas opiniões sobre os outros. É por tal comportamento que estamos nos deparando, cada vez mais, com crianças que se acham no direito de serem autoritárias e desrespeitosas, pois ainda há muitos macacos de circo que alimentem seus limitados mundinhos. Infelizmente.
Isaías disse…
...é isso mesmo mãe educadora, infelizmente ainda temos pessoas pobres de epírito criando seres que ficarão medíocres tais quais seus pais...
André Ferrer disse…
A minha geração cresceu levando na cara que o Zé Dirceu e similares deram o próprio sangue e a própria liberdade pelo país. Assim, desenvolvemos uma forma distorcida de engajamento. Nunca comparei a educação dos 60's com a atual. REFERI-ME À COMPARAÇÃO QUE A GERAÇÃO ANTERIOR FAZIA ENTRE A "sua" EDUCAÇÃO/CULTURA (pré-ditadura e na ditadura) E EDUCAÇÃO/CULTURA POLÍTICA DOS FILHOS eu, você, seja quem for que nasceu com o lindo sol da "abertura" se levantando no horizonte. Eu empreguei a comparação. Não comparei. O excesso de cuidado para que a prole não ficasse medíocre, enfim, acabou criando um comportamento pior do que a mediocridade - foi um pouco além - e chegou à hipocrisia. Resumindo: quem foi educado para viver e valorizar a democracia, mostra as garras e os dentes diante da primeira ideia que desafie o seu "poder".
mãe educadora disse…
Não devemos confundir hipocrisia com mediocridade, nem tão pouco com falta de educação...senão, em nada justificaria esta luta contra bulliyng que vemos no dia a dia. Criticar com respeito sim...quem defende o contrário precisa de tratamento a fim de não agravar este grau de psicose.
Evaristo disse…
André, o elemento que destacou na reportagem do Fantástico sobre Isadora Faber passou despercebido por algumas pessoas e, por consequência, não conseguiram ler direito sua crônica. Você não destacou o excesso presente nas críticas de Isadora, mas a reação hipócrita dos professores frente ao problema. Com esse mote, pôs à mostra um espinho que não está presente em casos isolados, mas que marca toda uma geração: a dos que eram adolescentes no momento das Diretas Já e, contudo, ainda não assimilaram o espírito democrático e dialógico. Abraçaram a democratização apenas como formalidade e, por isso, por exemplo, bradam em concordância ao Datena ou ao Ratinho quando estes defendem a pena de morte. Essa é uma questão gravíssima, uma distorção, e à qual todo mundo na faixa dos 30 ou 40 anos hoje precisa levar à própria consciência (eu incluído). Se você focasse no bullying, estaria apenas jogando confete sobre um assunto que é supervalorizado e que, em grande parte, não passa de modismo pedagógico e intelectual. Deixe que a Globo junte o gado. Enquanto escritor, seu papel é destacar o que está à margem, ou suspenso na cortina de fumaça que a mídia faz sobre o que realmente é importante, e nunca é posto em primeiro plano. Continue!
Zoraya disse…
Andre, em boa hora você levanta esse tema. Educação é artigo de luxo nesse país de superficialidades e celebridades. Alunos nao respeitam professores, e os pais apoiam, quando nao estimulam essa distorçao; professores e demais deseducadores permitem bullying entre alunos quando nao sao eles mesmos os perpetradores dessa covardia, como foi o caso. Quanto mais falarmos sobre isso, como você fez, maiores as chances de isso um dia mudar. E voltarmos a ter educaçao - em casa, na rua e na escola

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