SEMPRE EM CRISE (DE RISO) >> Mariana Scherma

Eu estava de bobeira num desses domingos preguiçosos quando meu celular tocou. Era uma amiga muito querida, daquelas que fazem você perceber que a distância não significa grande coisa, do tipo que você elege como sua irmã e tem certeza de que vai levá-la no coração num pra sempre que não acaba, não. Toda vez que ela me liga ela já vai pedindo desculpas por me atrapalhar, mas “é que eu preciso desabafar e sei que você entende”. Eu já cansei de dizer que ela nunca atrapalha e nossas conversas são sempre divertidas, com uma pitada de melancolia, outras vezes de esperança, com comentários ácidos... Na verdade, acho nossas conversas inspiradoras.

Mas nesse domingo ela estava indignada com a nossa falta de sorte... para o amor. “Por que onde já se viu aquele fulano se dar tão bem, Mari? Ele escreve derrepente! Ele se descreve como um cara auto-astral!”. Não, nós duas não temos nada contra aqueles que escrevem errado por falta de oportunidade de estudar. A gente só fica indignada mesmo com aqueles que gastam parte da fortuna dos pais em ótimos colégios, mas parecem não querer (precisar?) absorver nenhuma lição dos professores porque a autoestima deles os fazem crer que eles não têm mais nada a aprender. E também acham que o dinheiro dos pais vai durar eternamente. Vai nessa, meu amigo.

O bate-papo entre minha amiga e eu, pra uma pessoa de fora, vai soar como uma alegria louca, porque nossa indignação anda de mãos dadas com a crise de riso. A risada da ironia do mundo, a risada de nós mesmas quase sempre, a risada de quem sabe que a coisa não tá boa, mas há de melhorar. Afinal, como nos faz acreditar São Murphy, sempre pode ser pior: nós poderíamos ser da espécie que escreve agente em vez de a gente, ué. Ou do tipo que gasta rios na balada só pra se mostrar cool.

Uma de nossas conclusões mais certeiras em todo fim de conversa telefônica é como uma pessoa pode ser tão cheia de autoestima e, ao mesmo tempo, tão insuportável de conversar. “Sabe, Mari, ele é capaz de conversar mais de três horas só falando da própria vida!”, diz minha amiga. E aí eu fico assustada, porque sou capaz de resumir minha vida em um parágrafo curtinho, assim como essa minha amiga. Nós duas contamos A Incrível E Mágica História De Nossas Vidas antes de o primeiro chopp acabar. Assim, foi inevitável que nós duas chegássemos à conclusão de que talvez autoestima seja inversamente proporcional ao poder de síntese de cada um. E rimos muito dessa conclusão. E só pra deixar claro: não acho terrível ter boa autoestima. Eu queria ter mais. Minha amiga, idem. O que é o fim é o fulano (ou a fulana) não achar que precisa melhorar só porque ele(a) se garante e acha que sabe uma coisa ou outra. Todos nós precisamos evoluir. Todo dia.

No fundo, no fundo, talvez seja bom nossa autoestima não transbordar do copo. E essa é outra conclusão à qual minha amiga e eu sempre chegamos: gente 100% segura não sabe rir de si mesma. E qual é a graça da vida se você só ri do tropeção alheio? Faz teeempo, Ben Stiller disse em uma entrevista que um comediante nunca pode ser excessivamente seguro de si, que isso o impossibilita de fazer piada sobre ele próprio. Concordo demais. Não me acho uma comediante, a vida é que faz piada, a gente só aprendeu a se divertir com nós mesmas.

E pra essa minha amiga querida, eu tenho algumas coisas a dizer, nada que seja muito novidade pra ela. 1. Deixa esse seu amigo bombado na autoestima pra lá, pelo menos ele namora, o que resulta em uma solteira a menos no mercado e um cara chato a menos pra nos xavecar. 2. Pode me ligar sempre que precisar porque eu também vou ligar pra você, sempre. Telefone é nosso jeito de tentar ignorar os quilômetros que nos separam (e eu sou a maior fã das nossas risadas indignadas). 3. Vamos nos lembrar de que temos nossos motivos pra ter autoestima, mas vamos nos lembrar mais ainda que não podemos perder o dom de rir de nós mesmas – e isso, minha amiga, é um baita dom. Por último, não esqueça que você me deve uma visita!

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