CARTA À AMIGA [Ana González]
Saí do cinema após ter assistido Tropicália com uma forte sensação, as mãos tremendo, as faces queimando. Um documentário bem feito com informações tanto culturais como do contexto político do final dos anos sessenta.
Mas, havia muito mais no assunto tratado. Havia parte de mim. E eu fiquei desperta com uma necessidade imensa de falar sobre o que eu tinha assistido. Era a história de um momento de nosso país que se fazia na tela, mas era também parte de minha vida e da vida da amiga que me acompanhava.
A primeira das sensações foi de alegria perturbadora, que me puxava um sorriso nos lábios e um encantamento nos olhos. Tinha sido tudo verdade: tudo o que havíamos vivido. Você sabe, amiga, foi incrível e estava tudo lá, com riqueza de detalhes, que a memória já não guarda e vão esmaecendo no tempo.
Foi bom rever as pessoas que apareciam nos festivais da Record, as músicas que eram aprendidas da noite para o dia, o que ocupava a nossa mente e ainda não sabíamos se ia permanecer. Não foi moda passageira. Ficou para a história coletiva.

Durante o documentário me espalhei em meio aos cachos da cabeleira do Caetano e sua magreza. Ele mudou muito, menos sua baianice pachorrenta. Também nós mudamos. E como nós éramos, amiga? Éramos jovens de uma boniteza como só a natureza pode fazer.
Outras sensações me vieram á lembrança. Tínhamos ideais e esperança, acreditávamos. E também tínhamos angústias, dúvidas. Vivíamos em paradoxos e em crises. Era a fase da ingenuidade e a bondade estava mais próxima de nós. Íamos por onde nos levavam nossos sonhos que desenhavam um cenário sem limites.

Hoje, amiga, continuamos em posições diferentes diante da política. E guardamos ainda com prudência nossa distância ideológica, essa que afasta as pessoas, que cria vales profundos de discordância, de críticas e julgamentos inócuos. Isso não nos separou.
Ao contrário, nossos diálogos se enchem de família que cresce nos filhos e netos e se enchem ainda em afinidades na busca infinda pelo conhecimento, nos ideais de educação, nos valores que poderiam construir aquele mundo que um dia sonhamos e ainda guardamos (guardamos?) escondido (protegido?) do burburinho à nossa volta.

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Comentários
Bonito depoimento, cheio de afeto, lembranças e sensações passadas.
Beijo
Suzana
wilson-seramigo.