MISTÉRIO DE MULHER [Sandra Paes]
Em todo o mundo celebra-se o dia das bruxas. Assim me chamam há tempos.
Ainda trago a lembrança viva das fogueiras ao ar livre. O cheiro de ervas
molhadas pelo orvalho ao amanhecer. O brilho prateado da Lua cheia, recente, lá
no céu, colorindo de rosa e dourado as nuvens outrora brancas, levaram pra
longe a tempestade perfeita que veio lavando de forma feroz toda a saia de mãe
Gaia.
Respiro livre e leve o ar renovado e fresco que entra por minha janela e me convida a um passeio no parque.
Respiro livre e leve o ar renovado e fresco que entra por minha janela e me convida a um passeio no parque.
Gargalhadas soltas, saias e cabelos ao vento. Essa nossa marca
registrada. Passos leves e macios, anunciando sempre entradas e saídas
silenciosas e fenomenais.
Sim, um luxo. E hoje, mais do que nunca percebo que meu olhar tem lentes
mais poderosas e sofisticadas. Com o passar do tempo - nosso aliado, sempre -,
vemos através de véus, mentes e intenções. Com certeza. No acordo perfeito
entre mãos e útero, vamos pelo mundo deixando nosso rastro e perfume, sempre
misteriosos para os leigos e aprendizes curiosos.
Diante da natureza, nossa sócia e mãe eterna, nos rendemos - encantadas
e encantando. Sabemos da força e poder
das tempestades e nos tornamos uma com elas quando queremos. Somos capazes de
varrer com ou sem vassouras, quaisquer marcas ou pistas. Nada pode ser indelével
para nós. Por isso, com tanta intimidade, ampliamos os sentidos e nos tornamos
donas da sensualidade: a arte de sentir tudo. Acrescido a isso, uma mente
refinada. Assim, o poder de vasculhar
cantinhos e detalhes se torna apenas um brinquedo. E o fazemos tudo com reverência
e leveza. Não há maldade na beleza genuína. Apenas o puro prazer de revelar o
divino, da ordem do plano superior. Sim, somos magas, e nosso mistério subjaz sob a
pele, sob a respiração arfante por vezes, sob o manto do silêncio que somos
capazes de cultivar como ninguém.
No dia das bruxas a mulher, que é Deusa, que vive na minha alma, desce
descalça e nua da cama. Deixa mansamente os lençóis de seda pra trás e leva
consigo o perfume de mulher que lhe é próprio. No ar, o aroma de madeira
virgem, sândalo talvez, a comunicar que a vida pulsa, e pulsa mais, a revelar
paisagens e palcos nunca dantes frequentados. Pode ser? Claro. Ainda há muito o
que descortinar. Pior pra eles que nos temem e nos desejam acima de tudo, sem
saber ao certo como exercer o falso poder machista diante de tamanha presença.
Ah, se soubessem do amor! Ah se soubessem... Por certo deixariam no
caminho apenas pétalas de flores, apenas delicadas verdades e irrefutáveis
transparências de sentimentos e atitudes. Sim, nisso o mistério de toda mulher -
uma bruxa, com certeza.
Imagem: Miranda and the Tempest, John William Waterhouse
Comentários
bonito e forte Parabéns
obrigada
escrita tem sangue e temperatura
lirismo
amei
escrita tem sangue e temperatura
lirismo
amei
bonito e forte Parabéns
obrigada