GENTILEZA GERA GENTILEZA. E UM POUCO DE CHOCOLATE.
>>Sílvia Tibo
"All you need is love. But a little chocolat now and then doesn't hurt." (Lucy Van Pelt)
Andei pensando sobre como são interessantes e úteis algumas das ferramentas existentes no mundo da informática. E imaginando também como as pessoas se viravam antes da existência delas.
Refiro-me àqueles atalhos do tipo “control+t”, “control+c” e “control+v”, que facilitam muito a vida da gente.
Vez por outra me pego conjecturando como seria o mundo se pudéssemos aplicar alguns desses comandos na vida real: em casa, no trabalho ou na fila do banco (para aqueles que, como eu, ainda vão ao banco).
Imagine, por exemplo, poder dar um “control+alt+del” naquele atendente de telemarketing que insiste em ligar oferecendo mais um cartão de crédito, além dos três que você já tem? Ou aplicar um “control+z” para desfazer aquela briga feia com o namorado? Ou, ainda, valer-se do “control+y” para refazer aquele jantar delicioso que acabou passando do ponto?
E que tal seria poder dar um “control+t” no Brad Pitt, seguido de um “control+c” e, ato contínuo, em casa, finalizar com um belo de um “control+v” no seu marido? Sem falar no alívio que seria aplicar essas mesmas três teclas, repetidas vezes, sobre o numerário existente em nossa conta bancária...
Certamente, esses atalhos resolveriam boa parte dos nossos problemas, em fração de segundos, poupando-nos do dissabor de ter que explicar para aquele atendente, pela milésima vez, nosso desinteresse pelo produto oferecido. Da vergonha de ter que admitir que o namorado estava certo e que tudo não passou de um piti. Do trabalho de preparar outro jantar, do desgaste de ter que insistir pra que o maridão se cuide um pouco mais e, claro, daquela luta pra fazer com que todas as contas caibam no salário ao final do mês.
Como leitor sagaz, você deve estar se perguntando qual a relevância de se escrever sobre um assunto desses. Afinal, todo mundo sabe que não dá pra sair por aí multiplicando dinheiro com um teclado de computador.
Sei bem disso, fique tranquilo. Ainda não enlouqueci (ao menos não completamente). E também não tenho a menor pretensão de ter um Brad Pitt em casa. Mas há certas atitudes que eu realmente gostaria de ver copiadas e coladas por aí. Como a do senhor-grisalho-de-bigode, com quem tive o prazer de me deparar recentemente.
Era segunda-feira, depois de um feriado prolongado. Desses que caem na quinta, mas acabam invadindo a sexta e só terminam mesmo no último segundo do domingo, para a tristeza geral.
Após alguns dias de ócio, naquela segunda, foi um tanto custoso acordar cedo e retomar as atividades, sobretudo porque chovia muito e fazia um friozinho delicioso. O horário de verão havia acabado de começar, o que tornava ainda mais penoso o ato de sair da cama, mormente pra mim, que sou fã dela.
Depois de ouvir o toque do despertador pela quinta ou sexta vez, finalmente consegui vencer o sono. Ou, ao menos, a preguiça. O fato é que pulei da cama, me aprontei e, em vinte minutos, estava dentro do carro, pronta para enfrentar o dia. Meus planos para aquela manhã eram de ir ao dentista, previamente agendado, e em seguida retornar ao trabalho.
O trânsito estava caótico e, por isso, o trajeto geralmente feito em vinte minutos acabou sendo concluído em quase uma hora.
Ao adentrar o quarteirão onde ficava o consultório (a essa altura já bastante atrasada, mas ainda na esperança de que o dentista me atendesse), dei início à dolorosa busca por um espaço público em que eu pudesse estacionar o carro, já me dispondo a dar algumas dezenas de voltas pelas redondezas a fim de atingir esse objetivo, como de costume.
Para minha surpresa, nesse dia, as voltas foram desnecessárias e a busca pela vaga não foi nada desgastante. Assim que cheguei às proximidades do consultório, olhei à esquerda e vi alguém gesticulando e sorrindo, na porta de uma suntuosa loja de adornos para casa, em meio ao temporal que caía.
Grisalho, o homem devia ter lá seus cinquenta anos e trajava calça preta e camisa branca de mangas compridas. Usava óculos e portava um bigode longo e caprichosamente aparado. Parecia ser uma espécie de manobrista ou porteiro da loja, a quem cabia recepcionar os clientes que ali chegassem, encaminhando-os ao estacionamento e auxiliando-os com o que fosse necessário até a entrada do local.
Naquele momento, o que mais me chamava a atenção era o fato de que bem ali, ao lado do senhor-grisalho-de-bigode e pertinho do consultório, estava a bela e ampla vaga de estacionamento de que eu precisava, capaz de salvar o meu horário com o dentista e, de quebra, impedir que eu tomasse um banho de chuva.
Percebi que o homem olhava na minha direção enquanto apontava, insistentemente, para a tão desejada vaga. E sorria, com ar de quem estava esperando que eu me dirigisse a ela.
“Ih!!!”, pensei comigo mesma. “O moço deve estar achando que vou entrar na loja. Mal sabe ele que meu interesse aqui por essas bandas é outro.”
Sem entender o motivo pelo qual eu não colocava o danado do carro da bendita vaga, o homem veio até mim, no meio do temporal, e então, tratei de descer logo os vidros do carro e avisá-lo que eu não era cliente da loja. Como quem diz “não, eu não vou comprar nada e, portanto, evidentemente, não tenho direito de parar no seu estacionamento.”
- Tudo bem, sem problema! - Disse o senhor-grisalho-de-bigode.
- Pode estacionar à vontade! - Continuou ele. - Nesse horário, as vagas aqui na região são bem concorridas. Fica aqui mesmo porque a senhora não vai encontrar outro lugar onde parar. E depois, aposto que a senhora não vai demorar muito mesmo, não é?
Respondi que, de fato, minha permanência ali seria curta. Era só o tempo de apertar os ferrinhos que eu carregava na boca, o que aconteceria em pouco mais de meia hora.
Saí, então, alegre e saltitante (como quem havia acabado de garantir um lugar no Paraíso), mas também (e sobretudo) espantada com a atitude daquele senhor de meia idade.
Confesso que, a princípio, me senti mal por ter duvidado da boa vontade dele. Por ter vinculado a sua gentileza à minha potencial condição de cliente.
Mas também devo dizer que me perdoei rapidamente por aquele lapso. Afinal, em doze anos de vida na cidade grande, não recordava, naquele momento, a última ocasião em que havia presenciado um ato de cortesia gratuita como o que acabara de ver.
Ao retornar do dentista, resolvi que presentearia aquele senhor com uma barra de chocolate. Não propriamente para retribuir a delicadeza que me foi dispensada, pois me convenci plenamente de que ela foi praticada de forma gratuita, sem o desejo de receber nada em troca. O chocolate foi apenas a forma que encontrei de incentivar meu novo amigo a continuar copiando e colando gentilezas por aí.
Afinal, nas palavras do Profeta, “gentileza gera gentileza”. E gera sorrisos. E gera afeto. E gera apertos de mãos. E gera qualidade de vida. E gera um mundo melhor. E também um pouco de chocolate. Por que não?
A propósito, parafraseando Lucy Van Pelt, tudo o que precisamos nessa vida é de amor, uma dose de gentileza e um pouco de chocolate.
Comentários
Léo
Beijos, querida!
Beijinhos, Fernanda! ;0)