A MAIOR SAUDADE >> Kika Coutinho

Eu era estudante do falido magistério e frequentava um curso aos sábados, com professoras já formadas, todas muito mais velhas do que eu, buscando algum tipo de aprimoramento. Toda semana tínhamos dinâmica de grupo e, naquele sábado, por alguma razão, a tarefa era preencher num papelzinho uma resposta simples para a pergunta nada simples: ”Qual é a época da sua vida de que você mais sente saudades?”

Veja, eu devia ter 16, talvez 17 anos, de forma que sentiria saudades do dia anterior, ou de quando acreditava em Papai Noel, o que daria mais ou menos na mesma. Mas elas não; eram senhoras vividas, todas com dignas rugas e algumas com digníssimos cabelos brancos; o que lhes dava certa vantagem nessa atividade.

As respostas viriam no final da atividade, que não faço mais a menor idéia de qual seria. No entanto, nunca mais esquecerei o se passou no término, quando começaram a ler cada papelzinho embrulhado.

Era uma moça bonita, com enormes olhos azuis, que tirava as respostas de uma espécie de urna e as lia, uma a uma, sem comentar, fazendo daquele um momento quase que solene, onde as mulheres se uniam por uma saudade semelhante, sem sequer conhecerem-se direito.

O primeiro papel dizia: Da época em que meus filhos eram pequenos. O segundo falava: De quando tive meus filhos. O terceiro seguia na mesma linha: De quando meus filhos eram crianças. O quarto, o quinto, o vigésimo papelzinho, e a variação era mínima. Todas aquelas mulheres tinham filhos, e praticamente todas tinham tido como tempo mais feliz de suas vidas a época em que seus filhos eram pequenos.

Eu senti que um instante de choque sucedeu a todas. Combinaram? Eram amigas? Só eu que não sabia? Era uma pegadinha? Eu estava grávida e vieram me contar? O que era aquilo, um complô? Não. Fui entendendo, aos poucos, que era a realidade individual daquelas mulheres e, ao mesmo tempo, uma verdade coletiva, de toda uma geração, quiça mais do que isso, uma ideia permanente de alegria que está impregnada nas mulheres com filhos crianças.

Embora eu nunca mais tenha esquecido, a cena me vem nos dias de hoje com força inédita: todas as manhãs, quando acordo e afundo o meu nariz no cabelinho suado da minha filha mais velha, e puxo o ar com força, experimentando aquele que é o cheiro mais doce dessa vida. O suor adocicado dela, os bracinhos rodeando o meu pescoço, os cachinhos cobrindo os meus olhos, uma chupeta que cai, um bocejo preguiçoso, e eu entendo cada uma daquelas mulheres.

É impossível dizer o que viverei ainda nessa vida, mas algo me diz que o futuro me reserva saudades grandes, o que significa, claro, que tive alegrias gigantescas.

Naquela tarde de sábado, eu escondi meu papel em branco no bolso da calça jeans, e ninguém notou que eu não tinha dado a resposta. Certamente porque eu não conhecia o tempo da vida, a verdade desse amor completo e inocente, tão usual, tão batido, e tão imensamente generoso e vivo. Se me fizerem a mesma pergunta daqui a muitos anos, já tenho a minha resposta. E, olha que coisa, é a mesma que me ocorreu naquele final de semana de calor...

 

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