GRANDES ESTREIAS >> Fernanda Pinho
É difícil sair do nosso ambiente e encarar o novo sem levar
na bagagem alguma carga de preocupação. Cheguei a Santiago trazendo duas
preocupações bastante específicas. Situações com as quais, eu sei, não me
sentiria à vontade para o confronto. Pois em menos de três semanas, tive que
encarar as duas.
A primeira eu sabia que não haveria como escapar por muito
tempo: comer abacate na comida. Ciente da alta aplicabilidade do fruto (?) na
culinária chilena eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que vencer minha
resistência e, enfim, experimentar. Eu já havia feito a tentativa anos antes,
num restaurante mexicano, quando me serviram guacamole com sei lá o que. Para
minha cabeça pouco elaborada gastronomicamente falando, era puro e simplesmente
abacate com feijão. Detestei, mas me garantiram que o abacate daqui (ou palta,
como dizem) era diferente, mais oleoso etc e tal. Pelo menos na experiência
chilena não tinha feijão. Mas tinha frango. Uma pasta de frango recheando a
metade de um abacate. Bonito, reconheço. Se fosse para avaliar a estética, nota
10. Mas o sabor, não desceu. Quer dizer, desceu porque eu comia sob o olhar
atento da família aqui do Chile e eu não iria cuspir a boa educação brasileira
na cara de todos. Mas não desceria mais que um pedaço. Eles que continuem
comendo abacate com pão, frango, shushi, feijão e sanduíches do MC Donalds. Eu
continuarei sentindo saudade da vitamina de abacate.
Não deu uma semana e sucedeu a situação temida número dois.
Aconteceu na madrugada para aumentar o teor dramático do episódio. Acordei com
ele me chamando. Me chamando e me sacudindo. Naquele estágio em que estamos
meio acordados meio dormindo, lembro de ter pensado: "homem de Deus, por
que me sacode tanto? Tenta me acordar com um beijinho que será muito mais eficiente".
Ai que ingênua. Não era ele me sacudindo. Era um terremoto. Apesar de sentir o
chão tremendo sob meus pés e de ouvir um ruído muito estranho e muito mais
assustador que o tremor em si, só entendi a situação quando percebi todos
descendo para o primeiro piso. Eu já havia sido avisada sobre essa regra geral
para casos de terremoto: descer para o primeiro piso. Logo entendi o motivo: no
térreo, a sensação é muito menor. Qual sensação? Bom, a sensação de estar em
cima de um celular gigante e ele começar a vibrar. Eu sei que analogia não é
meu forte, mas é mais ou menos por aí. Quando passou o sustinho inicial, tomei
nota: preciso dormir mais bem vestida por aqui. Tive tempo para pensar nessas
superficialidades porque não demorou muito nem fez nenhum estrago em lugar
nenhum do país. Houve tempo até para achar graça nos boletins transmitidos dos
estúdios das emissoras de TV, com imagens trepidantes, como se o cinegrafista
estivesse bêbado. Depois voltei a dormir, porque nada abala meu sono. Agora eu
sei, nada mesmo.
Trocando em miúdos: comer abacate na comida me incomodou
muito mais que o terremoto.
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