AMOR EM PORTUNHOL >> Fernanda Pinho
Eu nunca pensei que fosse me mudar de cidade, muito menos de
país. E, ultimamente, todas as coisas que eu tenho dito começam assim: Eu nunca
pensei que fosse me mudar de cidade, muito menos de país. Acho que ando
abobalhada com as surpresas da vida, que vieram para mim em atacado. Eu também
nunca pensei que existisse o nosso homem ideal, o nosso príncipe encantado. O
que nunca me impediu de sonhar com ele. É claro que eu sonhava. Mas eu sonhava
com ressalvas, com os dois pés no chão e a consciência de que um dia eu
conheceria alguém totalmente diferente do homem dos meus sonhos, que me cederia
um pouco de amor e eu me daria por satisfeita.
Mas eu sempre gostei de sonhar. E, ainda que supostamente
consciente da realidade, sonhava. Com um libriano (só alguém do meu signo me
entenderia), de olhinhos puxados (um leve complexo por ter os olhos grandes
demais?), com sotaque espanhol. Esse último quesito, quase um fetiche, talvez
tenha sido o que me motivou a estudar espanhol quando 90% dos meus amigos estudavam
inglês. Estudei, mas esqueci quase tudo.
Como quase me esqueci também desse negócio de príncipe
encantado. A gente cresce, leva umas rasteiras e meio que se vê obrigada a se
preocupar com outras coisas. Pensei tanto em outras coisas que me distraí. Me
distraí tanto que, quando ele apareceu, quase não me toquei. Chegou sem muito
estardalhaço, se apresentou, mas nem precisava. Eu já conhecia sua família há
anos. Tinha ouvido falar dele uma ou duas vezes. Por isso fui receptiva. Por
isso e pela vontade de aprender o espanhol de uma vez por todas. Seria bom ter
um amigo com quem praticar a língua.
Mas rapidamente ele me convenceu de que eu deveria ensiná-lo
o português. Eu, inconscientemente encantada, virei a professora mais dedicada
do mundo. Não demorou muito mas já estávamos falando banalidades no meu idioma.
Banalidades do tipo "eu amo fazer compras". Eu disse isso a ele num
dia e essa teria se perdido em meio a tantas outras frases corriqueiras se ele
não tivesse respondido com um "e eu amo você". Ama? Eu? Como assim?
Meu Deus, esse homem tá misturando as palavras, os idiomas, sei lá. Será que eu
ensinei tudo errado? Fui e voltei em outra galáxia procurando o que dizer
depois disso. Suei, tremi e decidi: era o caso de dizer a verdade. "Eu
também amo você".
O que veio depois disso foi uma sequência de cenas dignas
das comédias românticas mais fofas do mundo, com direito a encontros
apaixonados, despedidas dolorosas em aeroportos e pedido de casamento
espontâneo. A ponto de eu ter que parar e refletir: está acontecendo mesmo ou
eu pirei de vez? Se eu pirei espero não voltar à normalidade nunca. Só quero
saber de continuar estrelando meu filme e fazendo par romântico com este
chileno-libriano-de olhinhos puxados que não me ensinou a falar espanhol. Mas
me ensinou a amar.
E agora, que eu acabei me mudando de cidade e país, chegamos
na melhor parte do filme: o que vem depois do “felizes para sempre”.
Imagem: www.sxc.hu
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Bjuuusss
Loreyne