O IDEAL E O REAL >> Eduardo Loureiro Jr.

Sei que não parece, mas já fui muito exigente. Quem me vê assim, tranquilo, satisfeito com as coisas do jeito que são, não imagina o quanto eu já reclamei meus supostos direitos e clamei aos céus o atendimento de necessidades "fundamentais", sem as quais eu não poderia viver.

— Por exemplo? — o leitor, sempre curioso, há de perguntar.

Mulheres, por exemplo. Eu pensei que tinha direito a uma mulher ideal e já pedi muito a Deus que me desse uma mulher assim...

Fisicamente, apenas um pouco mais baixa do que eu. Cabelos longos e dourados (mas não pintados), quase encostando na bunda, que teria de ser grande, sem ser exagerada. Seios fartos, até com uma certa tendência ao exagero. Uma mulher esguia, não magrela. Pele macia, de fina penugem. Mãos e pés delicados, nem grandes nem pequenos. Pernas grossas, não marombadas. Olhos alternando entre o verde e o azul, de acordo com a luz do ambiente. Voz de quem canta, e que cante mesmo, e muito bem, mas sem aquele tom de impostação. Quanto mais natural o corpo, melhor. Nada de batom nos lábios, pintura nas unhas ou saltos nos sapatos. Sandálias baixas, de preferência. Perfume só se for tão sutil que parece que nem foi colocado.

Os gestos, os movimentos, são importantíssimos. A mulher deve andar feito uma bailarina e correr feito um cavalo — a perfeição está nessa graça selvagem. Embora saiba dançar muito bem, e participe de um ou dois grupos de dança, deve ter paciência comigo, que não sei dançar e que prefiro ficar só olhando. Há que se ter discrição, aqui também não fica bem o exagero. A mulher deve falar quando convidada, mesmo que seja apenas com o olhar, e há de possuir o dom da oratória escondido em uma cativante simplicidade. Mas, acima de tudo, tem que ser uma fiel amiga do silêncio.

É preciso que possua habilidades manuais: que tanto saiba costurar quanto fazer pequenos consertos. Que toque um instrumento, de preferência a flauta transversa. Que saiba fazer um bom embrulho de presente. Que cozinhe com perfeição desde um simples molho de cachorro-quente até um complexo peixe. E que, depois da refeição, a cozinha fique limpa, com cheiro de nova. Organização é primordial em uma mulher: cada coisa no seu lugar, sem mancha no chão, sem farelo na mesa, sem louça na pia. Mas, mais uma vez, sem exageros: convém deixar a cama por fazer pelo menos três vezes por semana.

Há que ser companheira: minha melhor amiga. O ideal é que torça pelo São Paulo e ainda guarde, da infância, a torcida pelo Fortaleza. Deve acompanhar, e entender, o futebol. Também o basquete, o vôlei e o tênis. E que tenha memórias de quando era uma esportista. Deve ter disposição para caminhar diariamente, seis, oito, dez quilômetros, de pés descalços na beira da praia. A saúde, claro, em perfeito estado: sem cansaço nem estresse. E nada de vícios: nem bebida, nem fumo, nem compras, nem fofoca.

Assim como é minha amiga, deve ser amiga de meus amigos: gostar de recebê-los em casa para um papo e comparecer aos aniversários. Deve compartilhar meus hobbies: ser inteligente e hábil em jogos de tabuleiro; conhecer um tanto de história da música e do cinema; ser descolada nas novidades informáticas e internéticas.

A mulher ideal lê o que eu escrevo, antes de ser publicado, e é uma perita em revisão. Não deixa passar um equívoco, mas respeita os erros voluntários de estilo. Entende as brincadeiras, as ironias, as elipses. E, acima de tudo, admira o texto, mesmo que trate de outras mulheres — tem segurança suficiente para não ter ciúmes. Além disso, escreve também com mestria, seja uma dissertação de mestrado ou um simples e-mail. E trabalha comigo em projetos criativos.

Sexualmente, gosta de fazer — e não apenas de receber — preliminares. Massageia-me do couro cabeludo até a ponta des pés — de costas depois de frente — antes de fazermos sexo. Está completamente umedecida antes mesmo de tirar a roupa. Goza três vezes em questão de vinte minutos: uma quando a penetro pela primeira vez; novamente quando a penetro depois de colocar a camisinha; e uma terceira vez junto comigo. Remexe os quadris como uma passista de escola de samba e domina a arte do pompoarismo. Molha meu peito com as lágrimas quentes de seu prazer emocionado. E ainda faz sexo anal de vez em quando. Depois do amor, deita em meu peito e fica ali. Não se levanta para tomar banho, mas adormece comigo. E me faz cafuné e me amolega todos os dias.

A mulher ideal é inspiradora como a lua, sedutora como as sereias, surpreendente como as nuvens, protetora como a Mulher Maravilha. Não tem filhos. A mulher perfeita é amiga, amante e mãe. Existe só para mim. Se adoeço, sabe tratar-me. Se erro, sabe perdoar-me. Se enlouqueço, transforma a loucura em projeto. Minha deusa escreve certo por minhas linhas tortas.

*

Tal é a mulher que, por tanto tempo, acalentei em meus pensamentos e em meu coração. O leitor vai dizer que tal mulher só existe em minha cabeça. E hei de confessar que sim, assim assim, todinha uma só, ela apenas existe na minha cabeça, mas sem esquecer de que ela é a combinação das mulheres que já conheci. Houve mesmo um tempo, o tempo quase todo de minha vida, que procurei por essa mulher, sem jamais encontrá-la exatamente assim.

Foi quando percebi que mais vale uma mulher real na mão do que uma mulher ideal na imaginação. Não mais reclamo nem clamo. Apenas amo a mulher que escolhi para mim.

Comentários

Unknown disse…
Vou te contar, eu também tenho meu homem ideal. E todos aqueles de quem eu gostei verdadeiramente não preenchiam nenhum requisito da lista...rs. Vai entender...
É, Fernanda, "o coração tem razões que a própria razão desconhece". :)
Marilza disse…
Eu nunca tive um modelo de homem ideal. Até porque, pra mim, o ideal de "fidelidade" na exata concepçao e abrangência da palavra já é bem forte.

Acho que o ideal é aquele que te faz feliz, no seu momento, no aqui e agora.
Sam Green disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Sam Green disse…
Sabe de uma coisa Eduardo, acho que essa não é apenas a sua idealização de mulher, mas a de todos os homens. Tô apaixonado por essa que vc descreveu.
Também tenho uma mulher ideal em mente e uma namorada real há 4 anos (e como namorada real, ela é ideal). Hauhauhau.
Parabéns pelo texto. Maravilhoso, como sempre!
Carla Dias disse…
Ideal mesmo é a gente não perder a chance de amar pessoa escolhida, independente do que a nossa imaginação pintou e bordou, independente do que é ideal. Sem contar que assim há a surpresa... E quem não gosta desse tempero, não sabe o que está perdendo.
Marilza, você quer um modelo mais ideal do que "aquele que te faz feliz"? Na realidade, é a gente mesmo que se faz feliz. :)

Ô Sam, a mulher ideal é minha e o boi não lambe. :) Mas brigadim por ter se apaixonado por ela. :)

Carla, você sabe tudo. :)

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