SOBRE DUAS RODAS II
>> Albir José Inácio da Silva
[Sobre duas Rodas, parte I]
O pedal bateu duas vezes na minha canela enquanto eu empurrava o problema pela calçada. Não senti dor. Não sentia nada. Não raciocinava. Só precisava andar de bicicleta. Era a encruzilhada da minha vida.
Passei o pé por cima do quadro e sentei no selim. A perna de apoio tremeu e pensei cair de lado. Respirei várias vezes, mas faltava ar. Ninguém por perto, conferi. Disposto a cair, impulsionei o corpo pra frente. Só deu tempo de apoiar o outro pé. Mais uma tentativa e desta vez coloquei os dois pés nos pedais. Duas voltas e de novo o pé no chão. Botar o pé no chão me impedia de cair. Isso quase me emocionou. Repeti as duas voltas no pedal por quatro ou cinco vezes, mas ainda estava insolúvel a questão de permanecer em equilíbrio.
Foi quando percebi que não estava sozinho. O garoto sentado no meio-fio falou comigo. Pele e roupa cobertas de poeira, ele tinha a cor da calçada, por isso não o tinha visto.
- Quando cair pra cá, vira o guidão pra cá. Se cair pra lá, vira o guidão pra lá.
Mais um impulso, duas voltas no pedal e, em vez de apoiar o pé direito no chão, viro o guidão pra direita. A bicicleta se inclina pra esquerda e repito a operação pro outro lado. Ando alguns metros em ziguezague, até que o curso se estabiliza. No final da alameda, ponho os dois pés no chão e respiro fundo com o coração aos pulos. Então é isso?!
Fiz a volta, montei de novo e pedalei até onde estava o menino. Ele apenas balançou a cabeça como se dissesse: “Viu como é fácil?”. Repeti o trajeto algumas vezes e, quando parei, já sabia andar de bicicleta. Soube que o garoto morava por ali e aproveitava umas voltinhas quando os fregueses não completavam o tempo. Paguei mais uma hora pra ele e fui embora.
Houve outras importantes conquistas na minha vida: vestibular, empregos, graduações, pós-graduações e coisas que comemorei na época e de que já nem me lembro. Mas nada se compara a andar de bicicleta. Tive muitos e grandes mestres pela vida a fora, mas suspeito que não teria chegado até eles se não fosse aquele garoto empoeirado.
Suspeito também, embora não tenha me debruçado ainda sobre o assunto, que em “virar-se para o lado em que se está caindo” há mais coisas do que sonha minha vã filosofia.
Mas duas rodas são favas contadas. Preciso agora encontrar um menino que me ajude com o monociclo. E com a asa-delta.
O pedal bateu duas vezes na minha canela enquanto eu empurrava o problema pela calçada. Não senti dor. Não sentia nada. Não raciocinava. Só precisava andar de bicicleta. Era a encruzilhada da minha vida.
Passei o pé por cima do quadro e sentei no selim. A perna de apoio tremeu e pensei cair de lado. Respirei várias vezes, mas faltava ar. Ninguém por perto, conferi. Disposto a cair, impulsionei o corpo pra frente. Só deu tempo de apoiar o outro pé. Mais uma tentativa e desta vez coloquei os dois pés nos pedais. Duas voltas e de novo o pé no chão. Botar o pé no chão me impedia de cair. Isso quase me emocionou. Repeti as duas voltas no pedal por quatro ou cinco vezes, mas ainda estava insolúvel a questão de permanecer em equilíbrio.
Foi quando percebi que não estava sozinho. O garoto sentado no meio-fio falou comigo. Pele e roupa cobertas de poeira, ele tinha a cor da calçada, por isso não o tinha visto.
- Quando cair pra cá, vira o guidão pra cá. Se cair pra lá, vira o guidão pra lá.
Mais um impulso, duas voltas no pedal e, em vez de apoiar o pé direito no chão, viro o guidão pra direita. A bicicleta se inclina pra esquerda e repito a operação pro outro lado. Ando alguns metros em ziguezague, até que o curso se estabiliza. No final da alameda, ponho os dois pés no chão e respiro fundo com o coração aos pulos. Então é isso?!
Fiz a volta, montei de novo e pedalei até onde estava o menino. Ele apenas balançou a cabeça como se dissesse: “Viu como é fácil?”. Repeti o trajeto algumas vezes e, quando parei, já sabia andar de bicicleta. Soube que o garoto morava por ali e aproveitava umas voltinhas quando os fregueses não completavam o tempo. Paguei mais uma hora pra ele e fui embora.
Houve outras importantes conquistas na minha vida: vestibular, empregos, graduações, pós-graduações e coisas que comemorei na época e de que já nem me lembro. Mas nada se compara a andar de bicicleta. Tive muitos e grandes mestres pela vida a fora, mas suspeito que não teria chegado até eles se não fosse aquele garoto empoeirado.
Suspeito também, embora não tenha me debruçado ainda sobre o assunto, que em “virar-se para o lado em que se está caindo” há mais coisas do que sonha minha vã filosofia.
Mas duas rodas são favas contadas. Preciso agora encontrar um menino que me ajude com o monociclo. E com a asa-delta.
Comentários
Obrigado, Edu, editor zeloso, sempre organizando.