RECONSTRUÇÃO >> Carla Dias >>

Lembrei-me da canção, do poema, da festa na qual não estive presente. E também dos feriados prolongados, em que passei ruminando quais seriam as decisões, reflexões e anseios dos personagens aos quais eu dera a luz. Meus filhos impacientes, envolvidos em tramas inventadas que misturei com algumas das minhas próprias experiências.
O escritor que rouba a história da moça; que se apaixona por ela de um jeito que para ele é novo, por isso foge, até perceber que correu em círculos, e cai de vez no abraço dela que para ele foi único. A moça que sente não caber no mundo, apodera-se de uma câmera que é para fisgar a verdade na encenação do outro. Que tem medo do que sente pelo escritor e foge dele... Até perceber que andou em círculos, e se depara com um olhar que põe seu mundo do avesso.

A moça que se trancou no apartamento durante três dias e abusou da reflexão, da profundidade de sentimentos. Viajou lonjuras emocionais para buscar a si, porque quem se tornou não fazia sentido. Assumiu o amor não só por alguém, mas também pela possibilidade de se reinventar.
O moço que se apaixonou pela cidade, que compreendeu que tanto a beleza quanto suas mazelas tinham significado e faziam parte de um todo. Da janela de seu apartamento, vislumbrou o concreto e plantou flores nele, através de seu olhar. Conheceu a moça irônica quando trabalhava no telemarketing. Ela disse ser acrobata e ele, em anos de conversa por telefone, não chegou mesmo a acreditar nisso, mas pensava nela equilibrando alegrias e tristezas, enquanto voava sob a lona da solidão. Na jornada em busca pela paz de espírito (ela realmente é famosa nos meus escritos), conheceu outra moça que, pelos acontecimentos de uma breve convivência, fez com que ele acreditasse que era uma corajosa militante, o que a levou a denunciar um figurão pelos seus crimes. O figurão virou governador e ela sumiu do mapa. A paz de espírito do moço não chegava... Mas veio rasgando o tempo a saudade dele pela moça com quem pouco conviveu, mas tanto o marcou. Enquanto isso, a acrobata vivenciava a solidão do moço.

Melhor parar por aqui, antes que coloque a todos numa mesma trama, e reconstrua aquilo que, do jeito que está, já é.
Imagens >> Nilton Mendonça
Comentários