O MESMO ESPAÇO >> Sandra Modesto



Arte: GBR

Eu estava querendo caminhar pela cidade. "Ontem", realizei meu desejo. Numa tarde meio ensolarada. Algumas ideias com cheiro de primavera se despedindo. Mas estávamos no inverno. Não importa. Readaptar é preciso. 

Peguei um material lindo. De uma revista digital. Imprimi e encadernei. São algumas páginas com temas sobre literatura, cinema, feminismo, racismo, lutas sociais, artes visuais... Evidente que para imprimir, pedi autorização à editora. 

Caminhando pude perceber o quão maravilhoso é o olhar. Não estou falando de poder enxergar. É o sentir mesmo, sabe? 

Demorei quarenta minutos e cheguei a uma rua central, com trânsito movimentado, pessoas andando a pé, pra lá e pra cá. 

Deixei os exemplares na Biblioteca de Rua da avenida dezessete. Muitos moradores de bairros afastados aguardavam ônibus. Foram presenteados com as revistas. Sorriram, ficaram surpresos, agradeceram... 

Sentei para esperar meu ônibus. Dois senhores negros pareciam cansados; resignados talvez ao Brasil da desigualdade. Eu segurava meu celular quando um deles disse: 

— Que danado de celular "bunito" é esse? 

— Obrigada. 

”O elogio foi por causa da capinha do meu celular que tem uma película brilhosa e com uma paisagem”. Por acaso, eu usava uma blusa com desenhos parecidos ao da capinha, que eu comprei por trinta e cinco reais. A blusa também foi o mesmo preço. 

Coincidentemente, as capas dos exemplares das revistas, tinham desenhos parecidos. Universo de um mesmo cenário da vida real. Eu usava uma saia com tonalidade... Na cartela dos tons avermelhados (Coral- diriam as blogueiras de moda). 

Estava gostoso ficar por ali. Faltando alguns minutos pra o “Ituiutaba Clube” chegar: 

— Quanto está a passagem de ônibus? Eu quis saber. 

— Não anda de ônibus não? Perguntou um senhor. 

— Ando. É que eu nunca sei ao certo. Vai que é outro preço... 

Ele deu uma risadinha e respondeu educadamente. 

Peguei o dinheiro na bolsa porque não gosto de fazer motorista ou cobrador esperar. 

O ônibus chegou. Entrei feliz e observando ruas e avenidas. Imaginando histórias de vida das pessoas, que, naquele momento, dividiam comigo o mesmo espaço. 

( Ituiutaba, julho de 2017) 


* Esta crônica foi publicada no site da revista Cult Uol em junho desse ano, no espaço aos leitores. Tema : EMPATIA. 

"Continuo distribuindo material literário na minha cidade. Deixo livros pelos bancos da praça do bairro Natal, e outras atividades inventadas por mim. A Biblioteca Pública Municipal é longe da periferia. Acredito na democratização da leitura".

Comentários

Laércio disse…
A vida passa entrelaçadas em outras. O cotidiano nós faz refletir tudo isso. Adorei a crônica. Parabéns!
Albir disse…
As discussões mais profundas estão expressas ou sugeridas no palco do cotidiano.
Zoraya Cesar disse…
Puxa, Sandra, me deu vontade de ler essa sua crônica num banco de praça, observando as pessoas pegarem livros seus espalhados por aí.
E ahhhh, me lembrou uma música do Chico que eu amooooo, Vitrines... Obrigada por isso também!

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