O MARTELO DO BEM - Oitava parte >> Albir José Inácio da Silva
(Continuação de 18/11/2019)
Antes de encerrar a reunião,
Penha deu instruções aos que trabalhariam nas barraquinhas da festa,
advertindo-os de que, além de orações e trabalho, precisavam contribuir
financeiramente porque salvar almas custa dinheiro. Lembrou, ainda, que todos
devem estar vigilantes porque são soldados na guerra do bem contra o mal.
A Festa
Déti estava animada com a festa,
Margô, deslumbrada. Ao entrar na praça ela foi transportada à infância no
subúrbio carioca, fogueira na rua de terra e bandeirinhas que ligavam as fachadas
das casas.
Esse enlevo era recebido com
sorrisos pela maioria das pessoas, mas alguns olhares atravessados também
podiam ser notados. Os Josés chegavam a fazer gestos na direção delas. Margô
tinha saias, colares e pulseiras demais. E Déti sorria demais.
Uma brincadeira de crianças arrancou
Margô dessas preocupações. Entrou na roda, girou, sapateou e saiu aplaudida. Com
o coração aos pulos pelo esforço e pela emoção, perguntou:
- Déti, nós ainda vamos ter
crianças, não vamos?
Antes que Déti respondesse, um
menino puxou a saia de Margô, que se abaixou. Ele usava uma máscara do Batman,
que ela levantou até a testa para ver seu rosto. Devia ter cinco anos e tocou
os colares, as pulseiras e o enfeite na cabeça de Margô com curiosidade. Déti
comprou doce numa barraca e deu ao menino. Também ela se abaixou pra conversar
com ele.
- O que vocês querem com o meu
filho? – Das Dores surgiu histérica e puxou o menino pelo braço. Arrancou-lhe o
doce da mão e jogou fora. – Isso deve ter sido consagrado ao demônio – disse.
As duas ficaram em choque,
agachadas ainda. Várias pessoas se solidarizaram:
- Não liguem! Esta mulher é
maluca! Que falta de educação!
De uma barraca próxima, Penha
acompanhou a cena. Das Dores arrastou pra lá o menino. Passado o espanto, Déti e Margô se aproximaram.
A religiosa deu um pito na mãe, antes de mandá-la de volta à barraca que tinha abandonado
para protagonizar a cena desagradável.
- Quero dizer pra vocês que eu
não concordo com o que fez a Das Dores - apressou-se Penha, quando as duas
chegaram.
- Irmã Penha - começou Déti - a
senhora exerce uma liderança muito forte por aqui. Não sei o que pensa de nós,
mas somos pessoas decentes. Conheci este lugar na infância e, quando pensamos
num lugar pra morar, eu me lembrei daqui. Algumas pessoas têm sido muito gentis,
mas, para outras, algumas coisas precisam ser esclarecidas. E para isso,
contamos com a senhora.
- Esta cidade está observando vocês.
São estrangeiras aqui, são invasoras. O cidadão de bem não aceita o
comportamento de vocês.
- Que comportamento, irmã? O que
fizemos de errado? Só desejamos viver em paz. Nunca verão de nós qualquer gesto
inadequado. Se pesquisarem nossa vida, vão descobrir que somos honestas e trabalhadoras.
Até hoje fomos apenas vítimas da maldade e do preconceito.
- É. O Donizeti disse que vocês
não têm crime nas costas, o que, confesso, chegou a nos preocupar. Só que tem coisa que não é crime, mas é
pecado. E o povo de bem se preocupa com as crianças e os jovens deste lugar. Mas
vamos ver como vocês se comportam. Cristo odeia o pecado, mas ama o pecador. Todos
podem ser salvos! – concluiu Penha em tom profético.
Voltaram para casa a pé, esperançosas:
- Não se pode dizer que foi uma
ótima conversa, Margô, mas foi um começo, né?
- Até arrisco dizer que foi um
bom começo. O destempero da Das Dores fez a irmã pisar no freio. Um líder sente
responsabilidade pelos comportamentos que desencadeia.
Batidas na porta.
De novo, batidas sem intervalo. Pelo
barulho, chutes na porta.
Déti pula da cama e corre até a
sala escura. A porta é arrombada. Vultos aparecem na claridade da lua. Déti
acende a luz, eles entram na casa.
(Continua em 15 dias)
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