PRECISEI FALAR COM DEUS>>> Sandra Modesto
A sala gelada. Luna numa maca usando uma vestimenta estranha.
Uma equipe preparando-a. Ela, assistindo ao vivo.
Algumas agulhadas do lado esquerdo do peito. Tudo tranquilo até que a voz do homem de branco conta que não deu certo.
— Temos três minutos para tentar novamente.
A mente de Luna vira do avesso. Ouviu uma ordem:
— Pode preparar rápido.
Naquele momento, Luna olhou pra o teto. Até então nunca tinha ficado em silêncio com Deus. Era uma tarde de agosto em um hospital a cento e cinquenta de distância. Naquele mês interminável.
“É o seguinte, cara, se você achar que não tem mais jeito, meu coração está fraco e chegou minha hora, cuida bem dos meus filhos, abrace-os todas as manhãs. Não os desampare nunca. Não deixa ninguém se apoderar dos meus livros. Não sei se você se lembra de quando eu tinha quatro anos e minha avó me levava aos cultos evangélicos. Eu não entendia bulhufas. Depois minha avó morreu. Contam que ela sempre dizia: ‘Dos olhos de Luna não quero uma lágrima’ De lá pra cá já chorei demais. Segurei muitas pontas. Rasguei-me e remendei-me. Mas... Minha conversa não pode passar do tempo. Estou vendo durante essa cirurgia computadorizada. Nessa sala que pede socorro. Só posso falar com você, cara. Aceito uma segunda opção: se você já analisou e viu que ainda posso continuar por aqui...”
De repente:
— Deu certo. Agora é só terminar os pontos. Você vai dormir na emergência e amanhã pela manhã, será liberada.
O médico esboçou um sorriso. A equipe aliviada como um time de jogadores emplacando gols do campeonato.
Sete anos e meio se passaram. Luna segue firme ou fragilizada. Respira o tempo atravessado escorrendo nas narinas.
Nua, Luna repara a lua.
Continua em silêncio com o cara. Com a janela aberta pela fumaça poética nos cafés das manhãs.
Comentários
Agora, me diz, que pessoa corajosa é essa que assiste seu próprio procedimento cirúrgico? Não é pra qq um não!