HERNANDES, O ESPANHOL >> Albir José Inácio da Silva

Hernandes era ainda uma criança na última copa, quando a sua gloriosa Espanha sagrou-se campeã. Digo “sua” porque é assim que ele sentia a nação espanhola. Não que ela lhe pertencesse, mas ele pertencia a ela, pelo menos de coração. Era um bom aluno antes de ser atropelado pelo sonho de jogar futebol e ver a Espanha na copa do mundo no Brasil.

De lá para cá o futebol era sua vida e a Espanha, o paraíso. Vasculhou sites de pesquisas genealógicas, encheu o saco dos avós e se irritou porque não sabiam dos próprios antepassados. Mesmo sem provas, teve certeza de suas raízes. Sentia correr nas veias o sangue espanhol. Passou a assinar Hernandez porque achava que “z” era mais espanhol que “s”.

Se ainda visitava a escola, digo visitava porque eram esporádicos os seus comparecimentos, apenas atendia às negociações com sua mãe, que prometera matriculá-lo na escolinha de futebol. Mas já tinha ficado reprovado e não estudava nada que não fosse futebol e Espanha.

Conhecia todos os times, técnicos e jogadores da “pátria do futebol”, como a chamava. Vibrava quando algum craque brasileiro era contratado por clube espanhol. “O que ficaria fazendo aqui um atleta como Neymar?”, perguntava.

Acompanhou com desinteresse os preparativos de nossa seleção para a copa no Brasil. Não comemorou a vitória sobre a Croácia e ainda criticou o pênalti marcado pelo japonês “comprado”, segundo ele. Aguardava sim, ansiosamente, o jogo da Espanha.

Hernandes riu dos mais velhos, quase com pena, porque falavam em laranja mecânica e outras glórias holandesas. Bem se vê que não conhecem a Espanha, pensou. O gol da Espanha não foi surpresa para ninguém, muito menos para Hernandes. Sua confiança continuou inabalada mesmo com a virada em dois a um. Era questão de tempo. O massacre sobre a Holanda estava a caminho.

Qualquer outro já consideraria o jogo perdido quando chegou aos quatro, mas Hernandes acreditava. Era assim a sua Espanha, tudo tinha que ter emoção.

Entre o quinto gol da Holanda e a cena final desta história, melhor deixar sozinho o Hernandes. Não é uma coisa boa de ver, e menos ainda de contar. Corta pra mesa da cozinha, onde a mãe de Hernandes, saindo para o trabalho, foi encontrá-lo no dia seguinte, às cinco da manhã.

— O que houve?

— Tenho que correr atrás do prejuízo — disse o garoto, levantando a gramática que, pelo jeito, passara a noite estudando.

Fotografias, escudos e flâmulas tinham saído da parede e jaziam humildes num canto. A mãe considerou resolvido o problema de Hernandes. Mas tem medo de uma recaída. Vai que a Espanha ressuscita e ganha a copa do mundo?!

Comentários

sergio geia disse…
Agradecido pela acolhida, Albir. E esse Hernandes, hein? Deve ser amigo do português aqui da esquina (rsrs). Gde abraço!
É, Albir, a Espanha está dando todo o incentivo para o Hernandes se tornar um CDF. :)

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