KARMA >> Zoraya Cesar

Loura, magra, fatal, existem homens que são irresistivelmente atraídos para mulheres desse tipo. Que tipo, perguntarão vocês: loura, magra, fatal? Não, o tipo cínica, egoísta, sedutora e mortal. O tipo, tão invejado pelas outras mulheres, que fazia dos homens o que queria. 

Sheila tinha um talento natural para a conquista e sedução, com a grande vantagem de não se apegar. Amava apenas a si mesma, achava que merecia tudo do bom e do melhor, e não media esforços para isso. A Mãe de Santo tentava alertá-la contra sua ambição desmedida, mas Sheila só pensava em seu futuro. Daí que ela conheceu Arnaldo, que tinha 36 anos a mais que os vinte dela, duas filhas e uma esposa meio adoentada, meio chatinha, meio gasta. E um posto de gasolina. 

Sheila podia ser a mulher mais encantadora do mundo. Arnaldo largou a mulher, as filhas, só não largou o posto, e casou. Mas, sabem como é, um homem já não tão novo, sedentário e fumante, preguiçoso e caseiro... e Sheila só tinha vinte anos. Foi tão fácil convencê-lo de que o cigarro estava com gosto e cheiro estranhos porque ela fizera uma simpatia para acabar com o vício. Ele acreditou piamente, claro, todo homem acredita em mulheres como Sheila. 

Ao cabo de alguns meses, ele morreu, sem que nenhum médico descobrisse a causa da estranha doença que o acometera, e deixou tudo para a amada Sheila. A ex-mulher e as filhas nada puderam fazer, a não ser ver navios. Sheila ficou bem de vida, mas não o suficiente para seu agrado. Miami, bolsas de grife usadas pelas atrizes das novelas, motorista particular. Era muito gasto para uma Sheila só. 

Mulheres assim sempre encontram homens assado - não existe homem esperto o suficiente para uma mulher como Sheila -, e dessa vez a vítima foi um tabelião. Ela poderia ter sossegado com esse, afinal o dinheiro da herança que recebera do infeliz Arnaldo somado à pequena fortuna do futuro infeliz Soares era suficiente para a mordomia de qualquer mulher normal. Mas Sheila não era uma mulher normal. E começou a planejar uma maneira de se livrar do atual marido. 

Soares era supersticioso. Não tinha religião, mas era supersticioso e estava apaixonado, além de ser cardiopata, condições das quais Sheila se aproveitou magistralmente. Começou por convencer Soares que a casa estava empesteada de maus espíritos, que ouvia vozes e que ele proferia estranhos sortilégios durante a noite. O pobre suava frio, mandava rezar Missas, chamava Pais de Santo, e nada. Sheila continuava a dizer que tinha algo estranho. E ele acreditava. 

Soares, confiante, entregava-se totalmente nas mãos de Sheila, que passou a trocar o remédio do coração por uma vitamina qualquer, que ele tomava sem de nada desconfiar. E esperou. Algumas semanas depois dessa dieta de assombrações e remédios falsos, Sheila decidiu que chegara a hora. 

Por volta das três horas da manhã, estando os dois sozinhos em casa, ela simulou estar possuída por algum demônio apavorante, tão convincente, que, literalmente, matou Soares de susto. Mulheres louras sempre alcançam seus desígnios mortais. Ninguém desconfiou de nada (nem nosso policial de plantão, Felipe Espada, porque ele não faz parte dessa história), e Sheila deu inicio a mais uma etapa de viuvez, preparando-se para mais um casamento, o definitivo, para deixá-la rica o resto da vida. 

Mas o destino tem vida própria, não é mesmo? Sheila, agora bem mais rica, ficou insone, mesmo tomando todos os tipos de remédio, nem assim dormia. Resolveu procurar a Mãe de Santo, mas esta recusou-se a recebê-la e mandou dizer-lhe que, por ter roubado o o karma de duas pessoas, agora teria de cumprir o destino de uma delas para que se restabelecesse o equilíbrio do universo. Um dos karmas roubados era ser atingido por um ônibus e perder as pernas, o outro era morrer dormindo. Mãe Cotinha não sabia qual lhe caberia, nem queria saber. 

Sheila sentiu medo, mas mulheres como ela não se rendem facilmente. Resolveu que estava na hora de arranjar outro otário rico e foi se embelezar no salão. Entrou, fez o que tinha de fazer e, mais tranqüila, pagou a conta e despediu-se. Só não conseguiu sair, pois um ônibus desgovernado subiu na calçada, adentrou o salão e...

Comentários

Ai!

difícil dizer qualquer outra coisa...
Analu Menezes disse…
a la Rubem Fonseca, muito bom!
Alexandre Durão disse…
Querida e imaginativa Zoraya.
Eu acho que a culpa é dos homens. Quem manda esses caras fumarem, tomarem remédio, serem donos de posto de gasolina e de cartório! E um deles, se não fosse morto por Sheila, ainda ia perder as pernas!
Mas como você deixou o final em aberto, penso que Sheila não morreu. Ao contrário, escapou com poucos arranhões, conheceu o dono da empresa do ônibus na audiência sobre o acidente, casou com ele. Continua sem dormir, mas está prestes a acumular o karma de mais alguém.
Beijos e até a próxima.
aretuza disse…
fiquei com peninha da sheila dra. morte!....
Cecilia, loura nao fatal e nao magra disse…
Querida Zo, surpreendendo cada vez mais. Concordo com Durão, acho que a Sheila escapou rsrsrs.
Carlos H. disse…
De tentar pedreiros e porteiros por onde passa, penso que, mesmo os que estampam na cara alguns adjetivos e que levam os bolsos vazios de substantivos, o verdadeiro alvo da mulher fatal, muitos Valdos por aí abandonariam portarias.
Tentadora, essa Sheila ilude até esses carmas. Está tentada a reencarnar-se eternamente. Acho que uma boa lição seria reencarnar-se em uma vida difícil, pobre, como a de Nelly, e passar por um daqueles encontros com o gordo homem do ônibus, impiedoso e insaciável como a lasciva Sheila.
Bem, tomo também como muito provável o desfecho comentado por Durão, mulheres assim são imprevisíveis. Mas, quando encurralados por especialistas de sobrenome Espada, honradores de seus nomes, problemas assim são bem analisados. Não há Jocélias, muito menos Sheilas e cognomes, que escapem!
Lindo texto, Zoraya!
Unknown disse…
Penso como Alexandre, Sheila não foi atropelada. Ainda. E você se supera mais e mais. ô cronista boa de ler. :) Beijo!
Marmotta disse…
Muito legal e trágico, Zô. Vejo Sheila agora cadeirante, desdentada e descabelada vendendo bala no sinal. Apesar disso tudo, ela ainda consegue seduzir o guarda de trânsito. Bj.
Zoraya disse…
Hahahaha, Pessoal, vocês são muito mais surpreendentes que a história da Sheila!Quer dizer que vocês acham que a mortífera Sheila deve dar a volta por cima, não é? Então, daqui a algumas semanas eu revelo o que aconteceu. Marmota, gostei da sua ideia. Posso aproveitar? Beijos a todos, adorei os comentários generosos e me diverti muitíssimo, obrigada!
albir disse…
Zoraya,
se Sheila morreu, arranje logo uma substituta. Há muitos candidatos à morte por ela. Questão de mercado. Desequilibra se não for substituída. Beijo.
Anônimo disse…
Acho que a Sheila e todo do mundo do salão foi para o andar de cima sim pois o motorista é brasileiro, quer karma maior do que esse??? Abraços. Aglae
Anônimo disse…
Os ônibus do Rio de Janeiro estão mesmo assassinos. Que absurdo! Mais uma morte nas costas! A Sheila era tão boa... ;-)))
Anônimo disse…
Poxa, tudo bem que a Sheila não prestava, mas a espada justiceira da Zozo estraçalhou a mulher, e olha que ela ainda dava um caldo bom...
Erica disse…
Mãe de santo falando de Karma?!!!! Mistura muito brasileira essa. Agora, quem disse que castigo vem a cavalo, esqueceu-se dos motoristas de ônibus brasileiros que não só castigam a quem já criou seus carmas como gera seus próprios carmas pra pagar acolá, porque o purgatório de todos está aqui mesmo, nesta vida, e não depois que se "cruza a fronteira"... E, sendo assim, se a Sheyla não ficou perneta desta vez, com certeza vai comer o pão que o diaboa amassou na hora certa..rs
Mauro disse…
Parece que a mentira tem pernas curtas... literalmente. Adorei!
Anônimo disse…
Depois dessa com as louras, dou graças a Deus de ser morena!! Espetacular! Bjs, Dayse.

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