A GRAÇA DOS DESENCONTROS >> Mariana Scherma
"Como é difícil encontrar alguém legal”, minha
amiga desabafou dia desses. Concordei e nos lembramos na hora da frase do
Vinicius de Moraes: “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro
na vida”. Gênio e ponto. Isso me fez pensar em todos os encontros meio
esquecidos que fizeram eu ser quem sou. Alguns, nem parece que existiram tão
pequeno é o lugar que eles ocuparam. Outros, só de lembrar parecem retirar um
pedacinho da casca da ferida e ardem, como se eu quisesse limpar com água
oxigenada.
Gosto de pensar que todos que passam pela nossa
vida são como um caco de um copo que se quebrou e ficou espalhado por qualquer pedaço do seu caminho. Mais hora, menos hora, você vai pisar em um dos cacos. Se você
pisar com sapato, nem vai sentir, vai passar reto sem perceber. Só que vai ter
uma hora em que você pisa descalço e aí machuca mesmo. Mas não é por isso que
você vai deixar de andar, não tem como ficar parado com medo de se machucar de
novo. E é impossível ficar se prevenindo e andando, sei lá, de galocha pra não
sentir os cacos. Machucar faz parte. Espera sarar e continua porque a parte boa é que o mundo está
sempre girando, tirando a gente a gente de um lugar, levando para o outro e
sempre colocando alguém novo no nosso caminho. Se elas vão continuar, sei lá...
Mas vão nos tornar um pouco diferente, mais fortes, mais sensíveis, com um
pouco mais de raiva às vezes, mais apaixonada em outras.
Garantir que todo mundo que chega permaneça na
nossa vida não é tarefa nossa, tem um zilhão e meio de fatores que influenciam.
Pra mim, o mais importante deles é a vontade. Inconsciente ou não, é sua
vontade (e do outro também) que faz alguém ocupar uma página especial
do seu álbum de figurinhas. Ficar arrastando corrente por alguém que não quis
permanecer é um tipo de vontade ruim. Óbvio que é mais fácil esquecer, mas quem
disse que nossa cabeça tem um botão reset? De qualquer forma, acredito na
autocensura do nosso cérebro. Sofrer por quem não quis ficar é a maior perda de
sentimento. Deixe ir, aquela história do desapego budista que eu adoro tanto. O
tipo de filosofia que todo mundo deveria seguir, porque não é possível obrigar
alguém a gostar da gente.
Um filme e um livro me fizeram mudar de opinião em
relação à procura do amor. Medianeras foi o filme que me fez perceber que o
nosso Wally pode estar perto (um clichê necessário), mas procurar demais faz a
gente meio que perdê-lo de vista, deixa a gente noiado, meio louco. Exatamente
como a Mariana, minha xará personagem do longa argentino, diz: “se minha vida
fosse um jogo, como o jogo da vida, caberia a mim o castigo de voltar cinco
casas”. Toda vez que insistimos num erro, voltamos uma casa, pelo menos. E aí o livro Um Dia me fez entender que o melhor presente que alguém pode
ganhar é confiança em si mesmo. Com uma dose de confiança e o coração em paz,
uma hora a gente encontra o que nem sabia que estava procurando. É mais ou
menos como aquele conselho de amiga que namora há dois séculos e novecentos
dias sempre faz questão de dizer (e você, sem paciência, vira a cara porque pra
ela é fácil dizer): “quando você menos esperar, ele vai aparecer”.
Enquanto a gente que é solteira espera o grande
encontro, vai se perdendo pelo caminho, encontrando e desencontrando os
coadjuvantes que fazem a nossa vida ter um pouco mais de humor, vai tendo um
montão de história pra divertir os que namoram há três séculos e meio porque
uma coisa é certa: não dá pra levar a vida em stand-by. Se eu tivesse um
superpoder em relação ao amor, faria todo mundo ver a graça dos desencontros.
No fundo, eles também fazem parte do que a gente é. A vida também pode ser
feita de desencontros.
Comentários
Também acho que os desencontros fazem parte da vida e são necessários, porque a gente acaba aprendendo muito com eles... e quando o tão esperado "encontro" finalmente acontece, conseguimos dar o devido valor a ele.
Beijo!
Ótimo texto.