ROUBOU-ME DE MIM [Ana Maria González]
Pela rua de apenas duas quadras, o movimento era grande, talvez ainda maior do que quando eu chegara. Os passantes tinham que disputar espaço entre os jovens estudantes espremidos nas calçadas. Não havia aula? Parecia que a população das faculdades estava toda lá sob o céu claro de uma noite de clima ameno. As salas estariam vazias? A opção de ficar fora das salas de aula era um gesto próprio dessa geração, uma rebeldia? O exercício da liberdade?
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Imaginei minha personagem ainda no lugar em que o havia visto ao chegar para a aula. Não, não estava lá. Não o vi mais. Era um anjo encostado em um vão entre uma parede e a porta fechada de uma loja. Um jovem cristo de olhos de água. Alto e magro, de cabelos claros levemente cacheados, longos, quase nos ombros. Com um copo na mão, olhava para a rua e pude perceber não mais do que quatro acordes de uma malevolente toada de jazz que ele cantarolava (ou chorava?). Quisera de novo o som de sua voz, a melodia interrompida. Quisera de novo a doçura de sua figura que brilhava nessa hora escura da noite. Ele tomara de mim a respiração, a mente e a visão que ficara empanada.
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Mas, faltava aquela pessoa saída de uma página amarelecida pelo tempo, quiçá de um filme dos anos cinquenta, que permanecia em minha memória, quiçá para sempre instalada em um desejo inenarrável.
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De mim sobrava quase nada, apenas um vazio sem importância perante a riqueza daquele pedaço urbano. Eu era o barulho, as formas, as figuras daquela rua, eu era só isso. Eu era naquele instante fugidio uma rua com a extensão de duas quadras e toda a sua população. Roubara-me os sentidos, a identidade, a alma. Era uma presença física experimentando sensações de que não poderia nem queria fugir. Eu era aquelas personagens, com os olhos claros de água e melodia de quatro compassos em voz de anjo, na grande cidade em uma noite clara de clima ameno.
Comentários
Que texto lindo, emocionante de ler , de sentir,só mesmo alguém com sua sensibilidade pode transformá-los em palavras tão belas e conteúdo pefeito. Adorei! Grata por compartilhá-lo comigo.
Ereni Tinoco