A IDADE FATAL [Debora Bottcher]

Revistas e programas femininos nunca se cansam de falar sobre as mulheres acima dos quarenta anos. Estão sempre às voltas com dicas e cuidados da pele, do corpo, e sobre a alma a ideia é que estejamos preparadas para a idade da loba: os conflitos, a resignação, as mudanças.

Então, quando cheguei aos 40, tratei de espreitar além das brechas para compreender o que me esperava de tão tenebroso - sim, porque o tom de advertência é assustador. É como se fôssemos abandonar totalmente um tipo de vida e começar outro - muito pior, diga-se de passagem.

Isso sempre me remeteu ao pensamento sobre as datas de validade de produtos alimentícios: o que acontece com uma lata de feijão à meia noite do dia que a data de sua validade expira? Começam os feijões a saltar no escuro, a batucar, enlouquecer por uma saída? Assim às vezes olhei para os 40 anos: como se à meia-noite de completá-los, as mulheres perdessem sua data de validade.

Há alguns anos li uma entrevista com Maitê Proença em que lhe foi perguntado o que aconteceu quando ela cruzou essa barreira. A resposta me arrancou um sorriso: "Fica tudo mais mole!" E ela também foi taxativa: "A partir de agora, serão obrigados a enxergar além da minha beleza." Parece muito justo.

Envelhecer deve ser mais terrível para as mulheres vaidosas, que ao se olharem no espelho e depararem-se com suas rugas, só conseguem ver sua pele - naturalmente um pouco mais opaca -, esquecendo do quanto de vida angariaram, aprenderam e mora em seus olhos.

Só que talvez o que realmente assombre a todos não seja a idade, mas a inevitável constatação de, ao completar 40 anos, admitir que já se viveu metade de uma vida e que restam mais quarenta ou menos - raramente mais. O que na verdade apavora - e ninguém fala - é a morte, que, a partir de então, passa a apresentar-se com sua sombra mais presente, na forma do inevitável e iminente, cada vez mais próxima.

Mas aos 45 anos entendo que, de fato, pouca coisa mudou no macro. A vida vai seguindo seu curso. O que percebo, de concreto, são micro alterações. Por exemplo, a questão de que não tenho mais tanta vitalidade e que coisas que antes eram fáceis de realizar, vão ficando mais difíceis. Também mudaram meus focos, os sonhos ficaram só no âmbito do efetivamente possível, e eu já não penso em conquistar o mundo - seja lá o que isso queira dizer.

Compreendo e reconheço minhas limitações - sei, por exemplo, que já não me cai bem aquela minissaia que descansa no guarda-roupa como símbolo de aventuras distantes. Também me percebo um pouco mais lenta na realização de algumas tarefas e, por vezes, falta-me atenção. Minha memória fotográfica para números (eu sabia de cor o telefone de todas as pessoas que conheço) também se dispersou - às vezes, preciso checar o telefone da minha mãe! E, eventualmente, luto pra me lembrar de ocorrências antigas - a mente, definitivamente, já me trai... Fisicamente, ficou mais difícil de perder peso e meus cabelos brancos se multiplicam - mas considerando que eu os tenho desde os 20 anos, isso não é propriamente um problema. Também descobri, outro dia, que marcas antigas - por exemplo, de um acidente de carro que sofri aos 19 anos - vão reaparecendo e ficando evidentes.

Pode-se dizer que, avaliando essas considerações, me encaixo na citação da cantora Sandy sobre seus 30 anos: "sou jovem pra ser velha e velha pra ser jovem." Isso, efetivamente, faz muito sentido pra mim - aos 45, não aos 30, porque aos 30 eu me achava bastante jovem.

A verdade é que não há nada que se possa fazer. Não é possível estancar o tempo, muito menos fazê-lo andar de costas, e o contrário de envelhecer, já sabemos, é morrer jovem. O que nos resta, portanto, é aproveitar a vida como ela é. Tentar não olhar pra trás com sensações de perdas, perdoar-se pelas escolhas erradas, não ficar adivinhando como seria 'se...', pois tais exercícios gerarão angústias impertinentes - e ninguém precisa disso enquanto envelhece. 

Aceitação me parece a palavra para se adequar às transformações. Sem rebeldia ou ansiedade, para que se possa chegar naquele lugar que tanto buscamos, de paz e plenitude internas.

Comentários

Zoraya disse…
Oi Débora! Sempre um prazer te ler. Envelhecer também é a arte de estarmos vivos e operantes depois dos 50, principalmente mulheres, a quem a sociedade geralmente relega um papel de menor imporância, como se, por nao ser mais jovem, a mulher devesse ser descartada. Você, ao que parece, já dominou a Arte. Beijos
Unknown disse…
Lindo texto, Débora! E verdadeiro...
Beijos!
albir disse…
Debora,
a resposta da Maitê e de outras personalidades frequentemente apontam para a necessidade de aceitação do fato de não terem mais beleza. Será que alguém precisa abrir mão da beleza? Cada idade não tem a sua beleza. Beijos.

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