ANDY WARHOL NA ENFERMARIA DO DR. HOUSE >> André Ferrer

Que tal algumas perguntas para começar? Vamos lá! Quem fez a declaração abaixo? Por que, onde e quando ela foi feita?

“No futuro, todos terão quinze minutos de fama.”

Frases arrancadas do contexto podem ser ótimas para a maioria das pessoas, mas irritam quem é capaz de detectar a defasagem entre o sentido original e o pretendido pelos incautos. Hoje em dia, em plena febre das redes sociais, as aberrações alcançam níveis insuportáveis.

Inúmeras vezes, a citação apresentada é usada para confirmar uma espécie de vaticínio. Por ignorância ou má-fé, os interessados na balbúrdia que cerca a gênese de celebridades fugazes atribuem qualidades de apologista ao emissor da referida declaração enquanto, na verdade, ele criticava a uniformização cada vez mais intensa do pensamento cultural e artístico. O criador da frase acima foi um dos importantes críticos da produção cultural em série.

Ainda mais irritante é o conceito distorcido por trás desse tiroteio de frases prontas: ironia é sinal de inteligência e conhecimento. A inteligência e o conhecimento, de fato, originam “tiradas” irônicas. O contrário — sobretudo quando se usa a ironia alheia — é uma farsa.

A todo instante, encontro imitadores do Dr. House por exemplo. Cada vez mais, infelizmente, eles ganham coragem e saem do mundo virtual para torrar paciências no mundo real. Querem ter, a qualquer custo, a personalidade do médico da série televisiva, porém só conseguem reproduzir uma arrogância vazia, uma falta de educação pura e simples. Ora! Por que não estudam? Por que não crescem primeiro?! Ser arrogante não torna ninguém mais inteligente — só antipático e odiado. Então, obedeçam a ordem natural das coisas: primeiro uma pessoa se desenvolve e se esforça; depois — e só depois de muita ralação —, é que conquista a autoridade da crítica. A graça não está no comportamento chulo, mas numa personalidade ácida cuja ironia é justificada, isto é, o interessante do Dr. House é que ele é, além de insuportável, alguém culto e tarimbado. Não basta sair agredindo as pessoas. Tem que ter conhecimento. Daí, sim, uma pitada de ironia fica até interessante.

No famigerado Facebook, a reprodução de ideias em muito suplanta a produção, reafirmando as constatações de críticos da Indústria Cultural como o filósofo alemão Theodor Adorno e o artista plástico norte-americano Andy Warhol. Este último, aliás, emissor do comentário acima proposto, é um dos mais citados dentro e fora da rede quando vêm à baila os assuntos meios de comunicação e notoriedade. No Facebook, os 15 minutos declarados por Warhol acontecem num ritmo que ultrapassa os limites da banalização. As pessoas, de fato, experimentam a sensação da fama dentro de círculos teoricamente infinitos, mas tudo acontece de forma tão rápida e simultânea! Minutos viram segundos. Cada usuário, no final das contas, acaba tendo, não há dúvida, os seus 15 segundos de fama garantidos. Num piscar de olhos, um sem-número de famosos é jogado nas profundezas do anonimato. É o preço que se paga por reproduzir ideias alheias. Ora, isso nunca levou, não leva e jamais levará alguém à originalidade, a única força capaz de consagrar alguém como criador.

Naquela e nas outras redes sociais, há pouca originalidade, muito embora a personalização seja intensa. Não seria de se esperar o contrário, então, uma vez que quanto mais pessoais, as ideias, mais perto da originalidade estariam?!

A genialidade artística de Warhol sempre orbitou essa dúvida em relação aos caminhos tomados pela cultura e pelas artes. Seus quadros eram produzidos em série. Toda a sua obra valorizava o discurso irônico sobre a sociedade de consumo desenvolvida no pós-guerra. Desta forma, nenhuma interpretação séria da arte de Warhol pode deixar de fora o teor crítico sobre a Indústria Cultural e a padronização do pensamento. Colocar, então, Warhol, como apologista ou profeta das condições atuais, está fora de cogitação. Ele sempre denunciou este lixo que agora nos cerca.

Comentários

Evaristo disse…
André, você resgatou a intenção de Warhol, cuja ironia, no mais das vezes, passa despercebida, e sua obra é considerada uma apologia da produção em série e da despersonalização. Nada mais falso. A colocação a respeito dos "15 segundos de fama", reduzidos dos 15 minutos ironizados por Warhol, foi feita por mim anos atrás, quando estava na faculdade. Na ocasião, ninguém entendeu, e me corrigia: "São 15 minutos, e não 15 segundos!". Quanto mais veloz o meio, menos pessoas entendem ironias e se apegam a fatalidades. Identifiquei a tendência que se tornaria regra nas redes sociais, mas não escrevi nada a respeito. Mandou bem!
André Ferrer disse…
Exato Evaristo! O pupilo de Warhol, Basquiat, enquadra-se muito mais na figura de apologista. Tenha uma boa semana Evaristo! Grato pela apreciação.
albir disse…
Tem razão, André. As pessoas abrem mão do respeito e da admiração entre seus pares, com uma acidez injustificável, por uma efêmera notoriedade virtual.
Zoraya disse…
Warhol ainda teve sorte, suas palavras foram desvirtuadas apenas no sentido; se vivo fosse, certamente lhe atribuiriam frases outras, feitas por pessoas de intelecto e caráter inferior, e divulgariam nas redes sociais. Como fazem com Veríssimo, Jabor, Zuenir Ventura... o tempora, o mores

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