OS DO CONTRA >> Fernanda Pinho
Há anos me dedico à análise de um tipo não muito incomum: os
do contra. Quis o destino que essa linhagem de gente que tanto me intriga
sempre estivesse presente em minha vida, de modo que tenho uma boa amostragem
para minha análise.
Claro, antes de assumir uma postura analítica, o que os do
contra despertavam em mim era uma forte irritação. São, antes de tudo, chatos
(ainda que para alguns departamentos da vida possam ser pessoas adoráveis). São
chatos porque não te permite compartilhar nada. Os do contra inibem nas outras
pessoas o desejo de partilhar a descoberta de um restaurante legal ou de um
filme genial. Porque mesmo sem conhecer o restaurante, mesmo sem conhecer o
filme ele já vai rechaçar sua opinião e dizer que sabe de outro restaurante ou
outro filme muito melhor. São chatos porque são inconvenientes. Quem nunca
presenciou um
do contra vendo um trabalho de outra pessoa pronto e
alfinetando com um "é, até que
ficou bom, mas ficaria melhor se...". Se nada! Queria ajudar? Que desse
opinião antes. Não adianta botar defeito depois que outra pensou já desprendeu
seus esforços em alguma tarefa. São chatos porque confundem os outros. Eu, em
algum momento de insegurança em minha vida, quase mordi a isca dos do contra,
chegando a cogitar: "será que eu só falo besteira?".
Eles são como os donos da verdade, mas com um plus: desde que a verdade seja diferente
da do outro. Verdades que mudam ao sabor da conversa, vale dizer. Se eu digo
hoje que o amarelo é o mais bonito, ele vai fazer de tudo para me convencer de
que o azul é A Cor. Mas se depois de amanhã eu apareço toda de azul, ele vai
dar um jeitinho de dizer "sei lá, de amarelo talvez você fique
melhor". Ih, já cansei de fazer essas pegadinhas com seres dessa espécie e
me divirto.
Sim, porque depois que passei a aceitar os do contra (eles
são assim, e eu que não sou do contra não posso contrariar) passei a me
divertir com eles. Observando os esforços que lançam para manter a postura de
nunca, jamais, concordar com que o outro diz. Dá até uma certa pena, porque os
do contra não relaxam nunca. Numa conversa, nunca podem se render e soltar um
despretensioso e libertador "é mesmo". Precisam contrargumentar ou
serão sufocados pela opinião alheia. Com o tempo, também passam a ser deixados
de lado. Para quê pedir a opinião de alguém que sempre vai discordar de você?
Ok. Não devemos buscar concordância sempre. Mas o do contra não tem
credibilidade, pois é sabido que sua opinião só tem um sentido: o oposto.
Já tentei, em vão, compreender de onde vem essa necessidade
de remar contra a maré. O mais próximo que cheguei de uma conclusão foi a
hipótese de que, talvez, a ideia de ser invariavelmente discordante venha do
desejo de chamar atenção. E dá certo. Olha eu aqui dedicando minha humilde
crônica a eles. Uma crônica para ninguém, convenhamos. Pois se você não é do
contra, não vai se identificar. Se é,
não vai concordar comigo.
Comentários
não gosto de ser do contra. Mas confesso que, às vezes, cedo à tentação de provocar, nem que seja pra reconsiderar depois.