ACONTECE >> André Ferrer
Há
tempos, um fragmento de texto ocorreu-me. Chamei-o, logo, de O baile fantasma.
Procurei um vídeo de uma canção antiga no YouTube
(Guitar Man do Bread foi a escolhida). Insatisfeito, não só publiquei no Facebook como também no Google Plus.
Neste
sábado, a estranha sensação que me fez escrever, ilustrar e publicar O baile
fantasma de uma forma tão impulsiva reapareceu. Ela sempre volta. Acontece, a
miúde, em diversos locais e ocasiões.
Dessa
vez eram as notícias da crise portuguesa e, num dos artigos que eu lia,
encontrei uma foto clássica dos anos de 1970, emblema da Revolução finalizadora
do salazarismo. A garotinha diante de um fuzil. Os braços erguidos. Um cravo
que acabava de entrar no cano da arma pelas mãos da pequena.
Ocorreu-me, assim, a certeza de
que da imagem da flor, há muito batida, já era difícil extrair poesia no século
passado. Nos dias que avançam, pior ainda! Um poeta não deve buscar a sua arte
nas coisas triviais, ainda que belas, e sim no deslocamento dessas coisas. Não
existe mais arte na flor do que no estranhamento da flor.
A nostalgia de um fato não
presenciado, mas que marcou a minha juventude reacendeu naquele instante. Procurei
O Baile fantasma e, em cerca de três horas, desenvolvi-o. Sem, no entanto,
chegar àquilo que acreditava ser a expressão verdadeira do sentimento.
Na ocasião anterior, bem que eu
tentara definir. Chamei de saudade. Não era. E também de nostalgia. Não era.
Então, a palavra sehnsucht apareceu
numa postagem no Facebook e,
instintivamente, percebi que havia encontrado o cano de fuzil perfeito aonde
depositar o meu cravo.
Na Língua Alemã, trata-se da
palavra que mais se aproxima da nossa saudade. Sehnsucht, entretanto, expressa um tipo inespecífico de saudade, ou
melhor, um tipo de saudade cujo objeto é inespecífico. Por exemplo: ele pode
ser uma época ou evento não presenciado. Ele pode ser alguém que sequer
conhecemos. Ele pode servir, diante do enfraquecimento das flores, como
arremate de um conto inacabado.
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