O DOM QUE NÃO EXISTE >> Whisner Fraga

É preciso que as pessoas se conscientizem que a escola não é o único ambiente de aprendizagem que existe, bem como os lugares consagrados à exposição da arte não detêm a exclusividade na produção ou divulgação da técnica. Exemplos não faltam de ideias bem sucedidas em ambos os campos. Então, como compreender que a escola insiste em manter seus alunos trancafiados, que os teatros ainda fecham suas portas para novas experiências, que os cinemas só inovam em efeitos especiais?

É necessário também que percebamos que ninguém é portador de todo conhecimento, de modo que não existe alguém imune a ele. Os professores devem notar que não entram em sala de aula para ensinar, mas para compartilhar experiências, para permutar informações. Assim, talvez um tenha maior afinidade com determinado conteúdo, outro goste de um assunto diferente, mas todos têm condições de se instruir, bastando que haja um espaço para o diálogo e a mediação.

Na arte ocorre fato semelhante. Não precisamos acreditar em dom ou em talento como fatores determinantes e exclusivos da criação artística. Qualquer pessoa é capaz de conceber um texto literário, um quadro, uma escultura, de interpretar, de cantar, bastando, para tanto, que treine, que aprenda os fundamentos de cada manifestação, que não descanse enquanto não obtiver algum resultado satisfatório.

Assim, para o aspirante se tornar escritor, basta que leia e escreva. Que leia muito e que escreva muito. Que quanto mais ler e quanto mais escrever, mais se aperfeiçoará na escrita. Não há segredo. E a inspiração? Não sei se existe semelhante problema. Para mim, a literatura é como outro trabalho qualquer. Cumpro meu horário, sento-me à frente do computador todos os dias, durante quatro horas e saio dali com algum texto. Não há nada de subjetivo nisso. Não há nada de superior ou de divino.

O mesmo ocorre com a docência. Pessoas nascem com um “dom” para ensinar? Depende do que se entenda por “dom”. Posso até concordar com o termo, desde que não esteja carregado de qualquer intenção sacralizante. Aliás, o fato de se compreender o magistério como doação, entrega, faz com que não seja necessário que a profissão tenha uma remuneração adequada. Portanto, é urgente que se acabe com esse conceito.

As pessoas devem assumir que podem ser capazes de qualquer ato, bastando esforço e persistência. Quando entenderem isso, deixarão de aceitar que existem homens superiores aos outros, que existem homens que são ungidos por algo sobrenatural e outros não, que é normal que uns se submetam a outros.

Partindo desse pressuposto, que todos são capazes de qualquer ato, a fábrica, o shopping, o boteco, a praça, o terreno baldio, a igreja, as casas, a Internet, passam a ser ambientes de criação e aprendizagem. É importante que deixemos nossos preconceitos para trás e evoluamos rumo a uma sociedade em que a diversidade seja respeitada e a violência banida.

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