SOLDADOS >> Albir José Inácio da Silva

Dentre os personagens que embalam nossa imaginação na infância, destaca-se o soldado. O garbo de seu uniforme, a altivez de seu porte e a coragem de suas ações encantam crianças desde sempre. Do soldadinho de chumbo sofremos os apuros nas histórias e temos ciúmes do pequeno exemplar que nos enfeita o armário. Nas brincadeiras, marchamos com chapéu de jornal e espada de madeira pelos campos de batalha e quintais inimigos.

Na adolescência a história nos ensina sobre os soldados egípcios, que ficavam honrados em morrer por seu faraó; dos soldados romanos com seus chapéus imponentes que dominavam o mundo; dos heróis gregos na guerra de tróia; e de todos os guerreiros que varriam os campos e conquistavam as cidades. Na idade média os soldados defendiam castelos, conquistavam reinos e salvavam donzelas. Os templários eram soldados que conquistavam a terra sagrada. Sagrada também para outros, mas que deveria ser só deles.

Depois os soldados participaram dos grandes descobrimentos. Estavam nos navios e nos fortes do novo mundo. Os nativos, soldados que ali já estavam, lutaram bravamente mas não conseguiram impedir o massacre e a destruição de seus povos.

Com a modernidade, os soldados deram a vida para defender seus soberanos e, depois das revoluções, para garantir a nova ordem. Não enriqueceram com os reis nem com a revolução. Eram soldados. Garantiam o que era dos outros. E assim, ganhando ou perdendo, amados ou odiados por quem ganhou ou perdeu, os soldados atravessaram os anos até a carnificina das duas guerras mundiais que quase destruíram o planeta no século passado.

Quando adultos podemos ser soldados, com as honras e os sacrifícios que essa escolha impõe, ou podemos nos emocionar com seus dramas nos livros e filmes que contam guerras e sacrifícios dos combatentes, para defender interesses nem sempre muito nobres.

No Brasil, depois de vinte e cinco anos de ditadura, eles acabaram simbolizando o lado negro da força, o inimigo. Tal generalização acaba sendo inevitável. Para o oprimido a roupa do opressor é intolerável. Mas não podemos esquecer que em certas circunstâncias o opressor é também oprimido. Na segunda guerra, soldados ucranianos eram obrigados a torturar e matar judeus sob pena de serem eles próprios assassinados pelos nazistas.

A maioria dos soldados brasileiros não tinha qualquer noção do que acontecia nos porões. Mesmo quando investiam contra seus irmãos em cargas de cavalaria, acreditavam combater o inimigo.

Claro que esse tipo de inocência não se aplica a torturadores e assassinos que, por sadismo ou profissão, mancharam de sangue a memória do país. Aqueles que agora seguem impunes por conta de uma autoabsolvição, prévia e ilegítima, que conseguiram acochambrar na legislação ao perceber que a história não os perdoaria.

Hoje, ao contrário do que acontecia naquele tempo quando as comemorações eram impostas, as homenagens ficaram restritas aos quartéis. Comemoração tímida para os heróis da nossa infância.

Neste vinte e cinco de agosto, nossas homenagens. Parabéns aos soldados que nos rincões deste país levam comida, remédios e proteção aos brasileiros ainda excluídos da cidadania. Parabéns aos que, em missões internacionais, ajudam a reconstruir a vida de povos destroçados pelo fratricídio que um dia também nos assolou.

A você soldado, homem de boa-vontade, que em qualquer fileira serviu à humanidade. A você soldado, do latim solidarius - aquele que é pago para servir - que está reconquistando o lugar que merece no coração da pátria. A você que povoou na infância a nossa imaginação, a nossa homenagem.

Comentários

André Ferrer disse…
Há países em que o próprio soldado é símbolo de opressão. Foi assim por aqui. Noutros, é simbolo da libertação. De qualquer maneira, o clima democrático mais legítimo ou menos legítimo depende dos esforços de tropas mais ou menos obedientes, mais ou menos corruptíveis. Bela homenagem.
Zoraya disse…
Albir, esse deveria sair em TODOS os jornais. Bravo!
albir disse…
André e Zoraya,
obrigado pela leitura.

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