EM NOME DO PAI >> Whisner Fraga
Vivíamos numa penúria danada, à base do feijão com arroz dia sim dia não, do tipo que brincam por aí: vendendo o almoço para comprar a janta. Não tanto por culpa nossa, pois tínhamos uma casinha alugada, o que nos garantia um bife de vez em quando. Só que o inquilino não pagava o aluguel há três meses e minha mãe, divorciada, não sabia mais o que fazer.
Ela já havia tentado um diálogo, mas a coisa empacara. O sujeito argumentava que não ia pagar o aluguel porque não. Boa justificativa ele trazia. Então, como um dos homens da casa, resolvi correr atrás e ligar para o sujeito, cobrando. Atendeu a filha do malandro, na maior calma do mundo, me perguntando o que eu desejava. Disse que queria falar com o pai dela. Qual o assunto? Respondi: É particular, só com ele mesmo. Ela rebateu: sendo assim, não vou chamá-lo. Claro que ela não falou com essas palavras, até porque seu português era bastante limitado. Mas foi mais ou menos isso.
Tive de adiantar o assunto: que ligava para cobrar três aluguéis atrasados. Então, a surpresa, ela começou a soltar uma série de impropérios, que iniciou assim: você sabe quem é meu pai? Eu e mais de metade da cidade sabíamos, pois ele era um político de carteirinha, mas não era por aí que conseguiria algo. Nas cidades pequenas, provincianas, isso acontece: uma família ganha fama, um sobrenome adquire importância, principalmente por estar ligado, em algum momento da história, a dinheiro e poder, e se utiliza disso sempre que pode.
O fato é que honestidade é honestidade e estavam querendo nos passar a perna e, ali, uma arrogantezinha me perguntava se eu sabia quem era seu pai. Eu brinco com meus amigos que a raça humana não merece nenhuma chance não, tinha de ir para o beleléu o mais urgentemente possível. A coisa mais linda do mundo é alguém em seu “leito de morte” percebendo o verdadeiro alcance de sua força.
Eu não sou vingativo, de vez em quando xingo alguém, me revolto, mas no mais das vezes adoro ficar calado no meu canto, observando a vaidade dos homens. Acho que dão muito valor a essas bobagens. O que é um sobrenome senão uma fantasia herdada independentemente da nossa vontade? Eu achei muito injusta aquela atitude, mas hoje sei que é a vida. Não à toa presenciamos constantemente o quanto ela vale hoje, essa vida, nas cenas de violência nos jornais nacionais por aí.
Não fui totalmente justo ao dizer que essa história de família é prioridade do interior. Nas capitais isso acontece também. Daí que, quando me perguntam por que tirei um sobrenome do meu nome artístico (meu nome completo é Whisner Fraga Mamede e meu nome artístico é Whisner Fraga), eu acho a pergunta tão despropositada, que nem sei o que responder. Foi só uma escolha sonora, se eu for ponderar. Mas imagino que se eu me chamasse João das Oliveiras, não faria diferença alguma e gostaria de ser lembrado pela minha luta cotidiana para me tornar um ser-humano digno e justo. E nisso, eu poderia me tornar até folclore. O resto seria até preferível que esquecessem.
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