TOLERÂNCIA 4,5 >> Fernanda Pinho
Tem uns dois meses que ele resolveu dar pinta por aí e,
desde então, é um exibicionismo só. Já chegou chegando, na dianteira, gris,
reluzente e longo, como os outros: meu primeiro fio de cabelo branco. Me
simpatizo com ele e nem tenho feito questão de escondê-lo. Enquanto é filho
único, devo dizer. No terceiro que aparecer, já estou pronta para aplicar uma
mão de Marrom Sedução (queria tanto ter a profissão das pessoas que dão nome às
tintas de cabelo e aos esmaltes).
O que noto com certo interesse é que a idade vem me trazendo
não apenas o ônus estético, mas também o bônus psicológico. É aliviante
perceber o quanto me tornei mais tolerante.
A Fernanda de dez anos atrás tinha um "quê" de
dona da verdade e destilava críticas severas ao gosto alheio, como se o seu
próprio gosto fosse o único permitido. Se alguém gostava de axé, pagode ou
sertanejo, não merecia meu respeito. E alguém estava interessado em ter meu
respeito? Claro que não. Mas eu achava que sim. Hoje eu aprendi a me colocar no
meu lugar. E mesmo que nesse meu lugar nunca toque axé, pagode ou sertanejo, eu
aprendi também a respeitar quem gosta. E mais que aprender a respeitar: eu
aprendi a me divertir, a não levar a vida tão a sério. Tem tanto problema no
mundo, pra quê gastar energia execrando o Michel Teló (coisa que eu certamente
faria se estivesse com 18 anos). Ah, vamos deixar o cara ganhar dinheiro e as
pessoas se divertirem com sua delícia. A terceira guerra mundial não vai ser
instaurada por isso mesmo.
E nem por culpa dos programas de televisão ruins. Me lembro
de certa vez, no auge das minhas ideologias de estudante de jornalismo, ter
escrito um manifesto contra o "lixo televisivo", no qual eu lançava
mão de argumentos duvidosos e palavras ácidas para criticar um a um dos
programas da TV aberta brasileira. Veja bem, se eu podia comentar um a um dos
programas é porque eu os conhecia bem. Diferente de hoje, que eu não sei o que
passa na televisão e nem estou preocupada em saber. E se tem gente que gosta do
que é oferecido pelas emissoras, eu não tenho nada com isso.
Hoje entendo que a tolerância é exatamente respeitar a
individualidade do outro. E isso transcende esse assunto de gosto. A partir do
momento em que eu aceitei que estou convivendo com 7 bilhões de pessoas diferentes
de mim eu passei a pensar uma vez antes de falar (um dia eu chego no nível de
pensar duas vezes. Mas já é um avanço para quem falava duas vezes antes de
pensar). Estou menos fatalista, menos imediatista e mais compreensiva.
Naturalmente, ainda tenho muito a aprimorar. Creio que numa escala de zero a dez,
eu subi do zero para o nível 4,5 de tolerância. Um dia eu chego no dez, ainda
que isso me custe mais um punhado de cabelo branco.
Comentários
Mas o que não sai da minha cabeça é o cabelo branco. Ainda ontem, eu conversava com um amigo, lamentando o fato de que os homens grisalhos ficam mais bonitos, enquanto as mulheres incluem itens na lista de compras: arroz, feijão, tinta de cabelo...
Parabéns!
Andrea Lastória (Ribeirão Preto-SP)
Maria Helena Lastória (Piracicaba-SP)