GRANDES E PEQUENAS QUESTÕES [Ana Gonzalez]
Sei bem que viver em cidade grande é um perigo a cada esquina e pago o preço dessa insegurança, visto que há outras coisas que me agradam nesta metrópole paulista, muito amada.

Não podia parar naquele momento e lugar. Comprovei a dúvida ao chegar à garagem de casa: o bagageiro estava sem o estepe. Interessante que o malandro-meliante-vagabundo-bandido surripiou somente o pneu. Deixou o macaco, os CDs, o som, o par de luvas, o guarda-chuva. E o carro, claro.
Respirei fundo e me preparei para o gasto extra. Na segunda-feira seguinte fui ao telefone e à internet para uma compra de pneu adequado. Pesquisa de preço e modelo.
Na quarta-feira, me dirigi a um bairro mais distante e consegui um atendimento de primeira, com uma equipe mais do que simpática. Era a última roda (sim, amigos, há problema de mercado nesse ramo)... Segundo os rapazes, dei sorte.
Naquela mesma noite, fui visitar uma amiga e filhos em outro bairro. Uma pizza honesta e caprichada entre dezenove e vinte e duas horas comemorou o ano novo, talvez meio passado, mas ainda válido em janeiro.

Primeiramente, fiquei raivosa. Depois, me deu uma frustração enorme. Aos poucos me dei conta de que eu estava um caco. A zero de energia. Impotente, cansada da vida. Foi difícil ir adiante.
Tudo de novo. No dia seguinte, me apresentei à loja de pneus com cara amarrotada e com vontade de chorar, com raiva, com sensação ruim de quero-colo-mamãe. Fui tratada quase com carinho pela equipe que de novo se pôs a trabalhar. Tive que ir buscar a roda (outra última!) em outro local. O responsável tinha pedido ajuda a um amigo com loja em lugar não distante. Os amigos nos salvam a pele muitas vezes. Contei dessa vez com o amigo do novo amigo (a essa altura o rapaz da loja já era meu amigo).
Mas, tomei a decisão de ir colocar rapidamente um censor mais potente, depois de pesquisa e indicações de modelo, marcas etc. Colocado o novo alarme, procurei apaziguar a mente. Como recuperar a confiança? Lembrei-me de minha fraqueza, da vida do meliante, de sua possível cara, das relações do mercado de pneus entre os bandidos... Ops.
E confesso que não me lembrei nem de leve dos problemas de nossa sociedade e do mundo. Quando será que entro assim em preocupação por essas questões maiores? Algum dia já me sofri assim por elas? É assim mesmo. Tinha entrado na roda viva das questões que tomam o controle de minha vida - essas pequenas -, pois quem disse que sou eu que a dirijo? Fiquei sem rumo, barata tonta, fisgada no fígado, pelo rancor, dor, sabor de fel. Posso desejar coisa melhor, mas estarei sempre à mercê desses aspectos de minha natureza. Emocionalmente um bagaço. Um tempão e energia gastos à toa. Não posso mudar a cidade, nem as relações entre a legalidade e a ilegalidade. Por que, então, deixar-se levar tão completamente? Há esperança de mudança? Por outro lado, poderei um dia fazer a diferença em relação aos grandes problemas da sociedade?
Ainda bem que há equipes de jovens, bons profissionais de plantão que nos salvam quando faltam pneus e rodas no mercado e parecem dar colo quando o estepe some do bagageiro. Salve os amigos e os amigos dos amigos.
Cuide bem dos seus estepes, não facilite.
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Transformar eventos desagradáveis em crônica ... a grande mágica!