O QUE VOCÊ FARIA? >> Zoraya Cesar
Temos o costume de afirmar que, frente a essa ou aquela situação, reagiríamos assim ou assado, como se nos conhecêssemos tão bem. Mas será que sabemos mesmo, de antemão, as nossas reações? Me diga, então, o que faria diante do caso a seguir.
Amigos de infância, de adolescência e de vida adulta. Aquela amizade sincera, rara de se encontrar.
E no entanto eram bem diferentes. Beto jogava bola, lutava judô e, gênio da matemática, resolveu fazer Engenharia. O rei das mulheres, que adoravam sua extroversão. Dado nadava e praticava meditação; escolheu Filosofia. O rei das mulheres, que adoravam seu jeito de intelectual tímido. E era exatamente no quesito mulheres que os dois mais diferiam.
Beto só se envolvia com as chamadas “periguetes”. O termo é feio, eu sei, mas era assim que seus amigos falavam, não serei eu a adoçar a realidade. Ele vivia integralmente o “eu te darei o céu, meu bem, e o meu amor também” (aquela música do Roberto Carlos, lembram?) e em troca só recebia as mais baixas traições. Beto era um romântico (um trouxa, diziam os amigos, crudelíssimos).
Por seu lado, Dado saía, bebia e se divertia mas não se comprometia com ninguém. Talvez cansado de tanto ver o amigo se dar mal. Sim, porque Beto sofria como um cão cada vez que era desprezado (ou melhor, por quem era desprezível).
Até que um dia — e em toda vida tem sempre um “até que um dia” (preste atenção quando chegar o seu) — aconteceu o impensável: Beto encontrou uma moça legal. Verdade que os amigos demoraram um pouco a acreditar, devido ao histórico pouco recomendável dele. Mas essa parte da história termina aqui.
Vamos à parte em que a porca torce o rabo. Vamos ao Dado, pois “até que um dia” chegou para ele também. Nosso amigo apaixonou-se. Perdidamente, profundamente, “betamente”.
Quando tudo aconteceu, Beto estava viajando com a noiva (Já?, espantam-se vocês. Desculpe, esqueci de contar. Carina era tão casadoira quanto Beto, os dois resolveram não perder tempo), então demorou um pouco até serem apresentados, o melhor amigo e o amor da vida de Dado — que já estava falando em casamento.
Era o homem mais feliz do mundo. Todos seus temores afastados, ele encontrara o amor sem ter passado pelas decepções que Beto experimentara vezes sem fim.
Por ironia do destino (sei que é um chavão, mas cabe perfeitamente no caso), foi justamente a experiência que alertou Beto que algo estava errado. Uma estranha sensação de déjà vu passou a atormentá-lo desde a primeira vista.
Mas como dizer isso a Dado, sem provas? Beto se consumia, sem saber o que fazer. O amigo já estava falando em filhos, logo ele, que nunca quisera ser pai! Beto desesperava-se.
Até que um dia — esqueci de dizer isso também: “até que um dia” pode acontecer mais de uma vez na vida — Beto a viu agarrada com um sujeito que definitivamente não era o Dado. Não interrompeu, não foi tomar satisfação. Discretamente, filmou e fotografou tudo com o celular.
Agora, o dilema, o rabo torto da porca. Mostrar ou não mostrar? Nem Hamlet sofreu tanto quanto Beto. Estragar o encantamento do amigo ou deixá-lo viver suas próprias experiências? Com que direito faria uma coisa ou outra? E se estivesse errado? Afinal, o seu próprio passado o condenava.
Me diz você, que já sofreu por amor, que já se sentiu dividido, sem saber o que fazer, ou viu de perto o sofrimento de uma pessoa querida. Se fosse o Beto, você contaria? Se fosse o Dado, como reagiria?
Eu gostaria muito de dizer que tudo se resolveu e todos foram felizes para sempre. Mas estamos falando de seres humanos e mesmo as melhores pessoas às vezes reagem das maneiras mais estranhas.
Beto poderia ter lavado as mãos, mas não o fez. Decidiu que era melhor arriscar a amizade a deixar Dado ser enganado. E mostrou, tudo.
Dado se levantou sem uma palavra, deu as costas e foi embora.
Alguns dias depois, Beto recebe um seco e-ail de Dado comunicando a data do casamento, e que não permitiria calúnias contra a noiva, muito menos vindas do melhor amigo; convidava Beto para padrinho, se ainda estivesse interessado em continuar a amizade que por ele, Dado, seria eterna.
O coitado do Beto nem dorme mais, de tanta angústia. Como apadrinhar uma união com a qual não concorda? Mas como abandonar o amigo, sabendo que, um dia, Dado viria a precisar dele?
Nem sempe sabemos mensurar o valor de uma amizade, aliás desconfio que nem sabemos direito mais o que é uma amizade verdadeira. Aos amigos que o aconselham a deixar de bobagem e chutar o pau da barraca, Beto responde, "tá, mas para qual lado a barraca vai cair? Quem vai sair machucado dessa história?"
Agora me diz: você sabe o que faria? Tem certeza?
Comentários
acho que mostraria sua crônica ao Dado.
Gosto deste convite à participação do leitor.
Pois é, são tantas as possibilidades, que o Beto continua confuso. Amor e amizade são temas delicados. Débora, há tempos nao te via aqui! Cecília, seja bem vinda. Erica e Aretuza, obrigada pela presença de sempre. Albir, você está sempre convidado...
Como não estamos mais no tempo de Machado e cia, você não pode usar o artifício das famosas "cartas anônimas", onde toda sorte de acusações e segredos eram revelados, sem que se revelasse o autor.
Não dá pra se pensar em "e-mail anônimo". Olha como empobrecemos!
Por outro lado, já vi coisa muito pior em termos de "traição" ser apagada do passado do casal. Aliás, nada tão inventado quanto o passado, não é?
Voltando ao nosso mestre (Machado), veja como a ardilosa Capitu conseguiu, com o passar dos anos, não só ter a seu favor o benefício da dúvida mas, mais que isso, ver Bentinho quase transformado no verdadeiro vilão.
Aguardando a próxima. Beijos.
Parabéns.
Eduardo, não digo o nome da noiva do Dado não, vai que você conhece? Deus me livre.
Marisa, você, como sempre, gentil
Anonymus Cornelius Mansus: continue manso pois os mansos herdarão a terra!
Alexandre, só mesmo muita generosidade, para lembrar de Machado de Assis depois de ler essa crônica. Obrigada!
Nilo, é verdade, os caminhos da vida são, muitas vezes, bastante irregulares. Manter relações duradouras é prova de força e maturidade, não é para os fracos não.
Cecília, pois é, você está que nem o Beto, cheia de dúvidas...