UM HOMEM VELHO >> Eduardo Loureiro Jr.
De vez em quando, me sinto um homem velho. Não um velho gagá de asilo, nem o velho sábio de Caetano. Apenas um homem velho de meiaidade.
Quando em vez, me interessam mais os anos 1980 do rock nacional do que os anos 2040 da ficção científica. As lembranças têm mais valor que as esperanças. Meu olhar troca bolas de cristal por espelhos retrovisores. Vejo a vida não como um chamativo tapete vermelho que se desenrola, mas como uma cortina cinza e gasta que se fecha.
Nesses dias, penso na morte não como uma distante fatalidade humana, mas como uma amiga saudosa que tenho certa pressa em rever. Desimportam-me todas as coisas que só serão resolvidas para além de meu escasso tempo neste planeta: o analfabetismo, a poluição, a corrupção, a discussão, a projeção, a guerra...
Não procuro por novos discos, filmes, livros. Trato de retomar os que já me socorreram uma vez. O pouco tempo que penso que tenho, escolho dedicá-lo a Chorando baixinho, do disco Dois irmãos, de Paulo Moura & Raphael Rabello; a O marido da cabeleireira, de Patrice Leconte; a O guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa.
Permito-me pequenos e prazerosos pecados que, no máximo, podem me condenar ao já desejado fim: baião-de-dois com manteiga da terra, carne de sol, macaxeira frita e paçoca. Cansa-me pensar no colesterol e nas dores do sangue, dos rins, do fígado, quando está em jogo o deleite dos olhos e da língua.
Já não me atrevo a considerar que poderia ser feliz com uma mulher ou comigo mesmo. Sento-me à beira do mar da memória, linha lançada, vara afundada na areia, e, sem relógio, aguardo o impreciso momento em que um peixe-lembrança, distraído e faminto, morderá a isca e me trará súbito e fugaz contentamento.
Ao contemplar os ponteiros na parede, sussurro: "São mais lentos que eu...". Ao conferir o número no calendário, murmuro espantado: "Ainda?" .
Olho para o Sol, olho no olho, sempre admirando sua capacidade de lançar luz e mais luz, dia após dia, sobre todas as coisas. Mas em mim não há mais o antigo anseio íntimo de "um dia, eu chego lá". Desdeseja-me chegar a qualquer lugar, animado por promessas de que seria melhor. Talvez seja, talvez não seja. Fico por aqui.
Lamento suavemente, sem grandes arrependimentos, não ter tido filhos. Não porque quisesse tê-los realmente, mas apenas porque me sinto em falta com minhas irmãs, que me deram a alegria encantadora dos sobrinhos. Não me penitencio pelos meus erros, nem me orgulho de meus feitos. Tampouco me envaideço de meus vícios ou deploro minhas beatices. Mas sou curioso pelo outro lado da vida, quando poderei conferir meu bilhete de loteria esportiva e saber, finalmente, o que errei e o que acertei.
Gosto o mesmo tanto das pessoas de que sempre gostei, e, pelos que não tive simpatia, continuo não tendo aversão. Uns são cabelos que ficaram graciosamente brancos; outros, pelos caídos que não se fixaram firmemente à minha cabeça.
Vontade de escrever, já não tenho, mas ainda mantenho o hábito, a mania, entre tantas outras: tirar meleca do nariz, ler no banheiro, cumprimentar as pessoas, obedecer às leis, dormir...
Enfastia-me imaginar que a vida seja eterna. Mas é um cansaço sem revolta. Tudo está no seu lugar: o tempo, o mundo, este homem velho, este sentimento, estas palavras. Desisti de entender a minha biografia. É um livro que ficará estanque na estante.
Fico espreitando o horizonte para ver se já é o fim, ou pelo menos o descomeço. Isto ainda são palavras, ou apenas o seu eco? Posso parar por aqui, ou é preciso mais alguma coisa?
Bonito e gentil é o silêncio, que continua dizendo tudo sem que a gente precise escutar nada...
Quando em vez, me interessam mais os anos 1980 do rock nacional do que os anos 2040 da ficção científica. As lembranças têm mais valor que as esperanças. Meu olhar troca bolas de cristal por espelhos retrovisores. Vejo a vida não como um chamativo tapete vermelho que se desenrola, mas como uma cortina cinza e gasta que se fecha.
Nesses dias, penso na morte não como uma distante fatalidade humana, mas como uma amiga saudosa que tenho certa pressa em rever. Desimportam-me todas as coisas que só serão resolvidas para além de meu escasso tempo neste planeta: o analfabetismo, a poluição, a corrupção, a discussão, a projeção, a guerra...
Não procuro por novos discos, filmes, livros. Trato de retomar os que já me socorreram uma vez. O pouco tempo que penso que tenho, escolho dedicá-lo a Chorando baixinho, do disco Dois irmãos, de Paulo Moura & Raphael Rabello; a O marido da cabeleireira, de Patrice Leconte; a O guardador de rebanhos, de Fernando Pessoa.
Permito-me pequenos e prazerosos pecados que, no máximo, podem me condenar ao já desejado fim: baião-de-dois com manteiga da terra, carne de sol, macaxeira frita e paçoca. Cansa-me pensar no colesterol e nas dores do sangue, dos rins, do fígado, quando está em jogo o deleite dos olhos e da língua.
Já não me atrevo a considerar que poderia ser feliz com uma mulher ou comigo mesmo. Sento-me à beira do mar da memória, linha lançada, vara afundada na areia, e, sem relógio, aguardo o impreciso momento em que um peixe-lembrança, distraído e faminto, morderá a isca e me trará súbito e fugaz contentamento.
Ao contemplar os ponteiros na parede, sussurro: "São mais lentos que eu...". Ao conferir o número no calendário, murmuro espantado: "Ainda?" .
Olho para o Sol, olho no olho, sempre admirando sua capacidade de lançar luz e mais luz, dia após dia, sobre todas as coisas. Mas em mim não há mais o antigo anseio íntimo de "um dia, eu chego lá". Desdeseja-me chegar a qualquer lugar, animado por promessas de que seria melhor. Talvez seja, talvez não seja. Fico por aqui.
Lamento suavemente, sem grandes arrependimentos, não ter tido filhos. Não porque quisesse tê-los realmente, mas apenas porque me sinto em falta com minhas irmãs, que me deram a alegria encantadora dos sobrinhos. Não me penitencio pelos meus erros, nem me orgulho de meus feitos. Tampouco me envaideço de meus vícios ou deploro minhas beatices. Mas sou curioso pelo outro lado da vida, quando poderei conferir meu bilhete de loteria esportiva e saber, finalmente, o que errei e o que acertei.
Gosto o mesmo tanto das pessoas de que sempre gostei, e, pelos que não tive simpatia, continuo não tendo aversão. Uns são cabelos que ficaram graciosamente brancos; outros, pelos caídos que não se fixaram firmemente à minha cabeça.
Vontade de escrever, já não tenho, mas ainda mantenho o hábito, a mania, entre tantas outras: tirar meleca do nariz, ler no banheiro, cumprimentar as pessoas, obedecer às leis, dormir...
Enfastia-me imaginar que a vida seja eterna. Mas é um cansaço sem revolta. Tudo está no seu lugar: o tempo, o mundo, este homem velho, este sentimento, estas palavras. Desisti de entender a minha biografia. É um livro que ficará estanque na estante.
Fico espreitando o horizonte para ver se já é o fim, ou pelo menos o descomeço. Isto ainda são palavras, ou apenas o seu eco? Posso parar por aqui, ou é preciso mais alguma coisa?
Bonito e gentil é o silêncio, que continua dizendo tudo sem que a gente precise escutar nada...
Comentários
Heloisa
Depois que passei por uma situação difícil, descobri que coisas tão bobas e tão pequenas que já não tinham mais nenhuma graça ganharam um ar de esporte-aventura, e aí entendi que sou a pessoa que menos tem a capacidade de saber o prazo para estar aqui ou lá ou aqui de novo.
E, se puder opinar, quero você por perto pela eternidade. Viu só o karma que você foi arrumar? :)
Bjs