CONFESSIONÁRIO >> Albir José Inácio da Silva

Desde de que me entendo por gente estou às voltas com esse negócio de pecado. Quando adulto o que consegui foi não me importar mais com os acusadores. Mas os pecados mesmos, esses nunca me deixaram.

Na infância os mais graves eram malcriações, pirraças e língua para os coleguinhas. A admoestação me trazia remorsos e obrigava a promessas de não repetir. Em vão. No dia seguinte lá estava eu fazendo tudo de novo. Era mais forte que eu. Eu bem que gostaria de agradar, ser um bom menino. Mas o que conseguia era adicionar outros pecados que a idade ia me apresentando.

Na adolescência acrescentei pecados bem mais graves, segundo me disseram, sem me livrar das culpas da infância. Pequei com o pensamento, com os lábios, mas sobretudo com as mãos. Enquanto era advertido sobre os perigos do pecado, meus pares, principalmente os de saia, me incentivavam a pecar. O Senhor não sabe como é difícil porque o senhor é Padre.

Na universidade pecados sociais se juntaram às anteriores desobediência e luxúria. Por exemplo, não ser miserável como as massas que deviam ser salvas era crime de lesa-humanidade. Isso começou gerações antes, com pais e avós que acumularam a fortuna da casa onde moravam e alguns móveis velhos. E também pagaram escola em vez de tomar o poder para que todos estudassem de graça. O Senhor pode colocar na minha conta mais o pecado de amar esses pecadores e não fuzilá-los.

Já adulto quis a qualquer preço o reconhecimento, o prestígio e o respeito dos outros. A tudo eu justificava com a lei da sobrevivência. Que havia de errado em defender-me nesse salve-se quem puder? O pecado agora, me diziam, era a ganância. De nada adiantaram exemplos de mártires e heróis domésticos, acadêmicos ou religiosos. Acrescente-se o mau-humor e o tédio, que não pode deixar de ser pecado, considerados os danos aos circunstantes. Até o que pareciam boas ações eram na verdade autopromoção, ou guardavam algum inconfessável interesse. Confesso também a ostentação, afinal de que adianta conquistar em segredo.

Agora que a velhice já não me permite tanta atividade pecaminosa, temos um impasse. O Senhor não me absolve porque eu não me arrependo. E eu não me arrependo porque seria hipócrita: sob as mesmas condições de temperatura e pressão e oportunidade eu cometeria os mesmos pecados. Faria de novo, não por achar certo, mas porque não há opção. Se estava escrito que Judas ia trair e Pedro negar, como poderiam eles não fazer? Se não posso escolher o bicho que quero ser, por que é pecado ser humano? Se me queriam culpado, aqui estou. Culpado, mas não arrependido.

A propósito, mais um pecado: morro de inveja porque sei que há por aí pecadores tranqüilos que pedem perdão à noite, zeram a conta, para tornar a pecar pela manhã. Estão sempre em paz, não lhes pesam os pecados.

Não é o meu caso. Os pecados sempre me atormentaram. E, se não posso ser perdoado, pelo menos que me descontem da pena essa vidinha medíocre que herdei, construí ou compliquei, mas que era a única que havia pra viver.

Vida culpada, Reverendo, que já está na reta final mas parece bem pior que o último círculo do inferno de Dante. Sua bênção.

Comentários

Zoraya disse…
Ah, Albir, digga ao seu personagem para ele ficar tranquilo. Provavelmente eles fez coisas boas suficientes pra ser perdoado, pois o Senhor que nos julgará é Clemente e Misericordioso. O problema é a tal da vidinha medíocre dele, coitado, acho que pra essa nao tem redençao depois da morte nao. Mais um texto pra gente guardar, hein? Adorei
albir disse…
Zoraya,
ele agradece a solidariedade e acrescenta que não é casmurro sempre.

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