O GERENTE >> Albir José Inácio da Silva

Acordou cedo, o João. Era dia de visita e isso significava muito trabalho. Tinha que supervisionar a faxina, providenciar o banho dos presos e superintender a cobrança e a revista das visitas. Mas não era essa a questão. Com isso já estava acostumado. O que o atormentava é que percebeu cochichos entre dois detetives depois que atenderam o telefone. Isso sim era incomum. Normalmente João participava de todos os assuntos da delegacia. Atendia telefone, anotava recados e tomava providências mais urgentes. O que estaria acontecendo que ele não podia saber?

Tinha-se revelado um administrador zeloso. No início teve problemas, alguns presos não queriam reconhecer sua autoridade, mas logo se impôs. Outra dificuldade foram os policiais. João fazia promessas aos presos, em troca de colaboração e disciplina, mas os tiras se recusavam a cumprir a parte deles. Não queriam, por exemplo, abandonar a prática de bater em preso por diversão. Precisou de muito trabalho e persuasão para que tudo entrasse nos eixos.

Agora nenhum detento apanhava sem necessidade. O xadrez estava limpo, os guardas “arregados”, os presos tranquilos. Conseguiu até uma cela com televisão e ventilador para os que se destacavam na colaboração e no comportamento. As visitas se encaminhavam para a revista “na moral”. Pagavam, sem reclamar, uma contribuiçãozinha – coisa pequena, só pra adoçar os agentes e dar algum conforto aos presos, que todo mundo é filho de Deus.

Mas hoje alguma coisa estava errada. Os detetives continuavam nervosos tentando falar com o delegado que não atendia o celular. Por fim, o apelo quase em falsete: “Doutor, vem depressa que a coisa aqui tá feia!”. Mesmo preocupado, João não se furtou às obrigações. Distribuiu os presos para a limpeza, carceragem, gabinete do delegado, recepção e, às nove da manhã, como sempre, a delegacia estaria um brinco. Dois foram mandados à padaria comprar o café da manhã, “queijo só pros polícia, preso comia manteiga, tudo nos conforme, dentro da hierarquia.”

Antes do café, chegaram os carros. Vários. Veio também a imprensa. A delegacia virou um caos. Muitas vozes e, sobretudo, muitas perguntas.

- Onde está o delegado?

- Já está chegando, falei com ele agorinha – gemeu o detetive.

- Onde fica a carceragem?

Nesse ponto a coisa piorou. Os detetives abriram portas e gavetas como se procurassem alguma coisa. Mas quando João se aproximou com as chaves, fizeram que não com a cabeça, os braços e as mãos. Um visitante mal-encarado pegou as chaves e perguntou:

- Quem é o senhor?

- João Ribeiro das Neves, artigo 121, parágrafo segundo, homicídio qualificado, aqui há um ano e quatro meses, ainda não fui julgado, comecei na faxina, mas hoje ajudo na administração, sim senhor – disse, perfilando-se.

Quando o delegado chegou, os presos embarcavam no ônibus da Corregedoria. A algema machucava os pulsos, mas João conseguiu sorrir para as câmeras. Um sorriso desanimado, é verdade - tanto trabalho! Não percebiam que a cadeia nunca esteve tão bem? Não acabaram as rebeliões? O mundo é assim mesmo. Fazer o quê? A vida continua. Perdeu o posto, mas não a competência. Cadeia nova, novos desafios. Gostava de desafios.

Comentários

Unknown disse…
Nem me conte o que o João fez pra estar ali, pois já me afeiçoei a ele...rs
albir disse…
Pois é, Fernanda, ele teve uns probleminhas, mas que é competente, isso é.
Albir, ao terminar de ler sua crônica fiquei me perguntando em que mundo vivo...

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