A LOUCA >> Kika Coutinho

Dizem que, quando nasce um bebê, nasce uma mãe e, com ela, a culpa.

É verdade. A culpa é a amiga íntima de toda mãe. Mas eu vou além. Digo que, quando nasce um bebê, com a mãe nasce uma louca. Uma louca, tantã, pirada, biruta, uma maluca, enfim.

Ou quem poderia ser normal com um recém-nascido nos braços? “Shhh” é o grunhido da louca. Toda mãe de bebê já passou horas fazendo “shhh”. Fazemos “shhh” pro bebê dormir, fazemos “shhh” para o marido quando ele abre a porta, chegando do trabalho: “Shhhh, nem pense em falar no tom de voz normal!”. Sussurramos já em guerra. É uma guerra permanente essa maternidade recém-adquirida.

O volume de tudo tem que ser muito baixo. “Assista televisão no mudo. Se quiser”, bradam algumas – entre cochichos, claro. “Não, não, não, não dê descarga, não!”, imploram outras, correndo na ponta dos pés até o banheiro, o marido tentando ser higiênico. Mas não pode. Não pode dar descarga, não pode ligar a TV, o telefone tem que estar desligado e ai de quem deixar o celular no volume “ao ar livre” dentro dessa casa.

Loucas. Somos loucas.

O cuidado com o neném também reflete a insanidade: “Tem que pôr pra dormir desse lado. Isso, mas sem chacoalhar. Mas você tá pondo muito rápido, tem que bater nas costinhas dele. Não, não assim, tem que bater fazendo conchinha com as mãos, assim!”. Ai, ninguém sabe fazer nada direito, pensa a louca, sem notar – nem de longe – a própria esquisitice.

A louca tem dificuldade de aceitar intromissões. Se a babá sugere tal método, ainda vá. Se o marido sugere, ignoramos. Se a sogra sugere, pronto, acabou-se o mundo. A louca sabe que tem, ali, diante dela, outra louca, em plena ação.

Quando nasce um bebê, nasce uma louca. A louca chora em circunstâncias improváveis. Chega da maternidade, vê o bebê ali, na cadeirinha, e chora. Não se sabe se é de alegria, medo ou insanidade pura. Chora, simplesmente. A louca também ri fora de hora, enxerga coisas que ninguém mais enxerga e ouve vozes que ninguém ouve: “Juro que ela balbuciou mamã. Juro!”

A louca faz mandingas estranhas, passa planta nos seios, aperta o umbigo da criança de um jeito xyz, e assopra a moleira do bebê quando ele engasga. Será que é tipo uma respiração boca-a-boca através da moleira? Pergunto eu, louca, enquanto me mantenho ventilando a cabecinha da minha filha, que tosse sem parar.

E os pensamentos? A louca não pode mais ver filme, assistir documentários e – dependendo do grau de loucura – nem o jornal. Tudo aquilo pode lhe acontecer ou, pior, aos filhos. E se eu morrer? Pensa a mãe biruta por horas. E se eu morrer agora, que tô segurando o bebê na banheira? Ele vai cair e se afogar? Eu soube de uma que dava banho com pouquíssima água para a criança não se afogar, caso a mãe morresse no meio do procedimento. E se eu morrer dormindo, e se eu e meu marido morrermos de assalto quando formos comer uma pizza? Quem vai amamentar nessa madrugada? E de manhã, bem a mamada da manhã que ele gosta tanto, pensa a louca, ensandecida. "Mãe não pode morrer", me disse uma louca, dia desses. Verdade. Depois que temos filhos, não podemos mais gripar, cansar, dormir, adoecer, muito menos morrer.

Não. Nossos direitos são limitados, cerceados, bloqueados. Nos resta, então, ser loucas, piradas, birutas e tantãs, oras!

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Comentários

Bravo! A mais perfeita descrição, assisti cada uma das cenas!
Eu fico imaginando a Sofia lendo essas crônicas daqui a alguns muitos anos... :)
Unknown disse…
Não duvido dessa loucura, Kika! Eu nem tenho filho mas, quando cuido de algum dos bebês da minha família, eu fico bolando vários planos pra qdo eu tiver o meu próprio. Um deles é: quando começar a andar vai usar capacete. Meu coração não é forte o bastante pra ver as crianças passando de raspão pelas quinas. É a loucura anunciada!

Mas deve ser bom, né? Como diz o Lulu: se é loucura então melhor não ter razão.

Bjos!

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