SONHOS >> Eduardo Loureiro Jr.


Conheci uma moça bonita, meu bem,
mas foi só em sonho.

Os sonhos são uma permissão da Natureza para que experimentemos nossos medos em segurança e para que não percamos a esperança de realizar nossos desejos.

Há quem tenha sonhos premonitórios, gente que adivinha, quando está dormindo, o que vai acontecer. Eu já tive medo de que comigo fosse assim também, mas não é. Se tenho pesadelos, acordo aliviado, e, se tenho bons sonhos, acordo triste, porque nem uns nem outros irão se realizar. Então, após o desespero de ver todos os meus dentes da arcada inferior se esfacelando, como se fossem feitos de areia molhada da praia, acordo ainda assustado mas feliz, me consolando, "foi só um sonho", e, no desjejum, mastigo a mistura de granola, aveia, linhaça e mel com um prazer exagerado. Mas, da mesma forma — ou seria de forma invertida? — após o êxtase de viver a vida dos meus sonhos, à beira-mar, vivendo da escrita, acordo na minha mesma vidinha de sempre e, por mais que tente fechar os olhos e adormecer-me de volta ao sonho perfeito, o despertador insiste que está na hora de levantar para o trabalho indesejado e para o extrato em vermelho. Meus sonhos são só uma reparação — para o melhor ou para o pior — da minha realidade.

A coisa fica mais complicada quando, na sempre intrincada teia das relações humanas, os sonhos premonitórios de uns se encontram com os sonhos compensatórios de outros. Minha irmã, por exemplo, que talvez tenha herdado a habilidade da ala feminina da família de sonhar com o futuro, certa vez acordou comigo milionário. Na noite em que eu tive um sonho do qual nem me lembro, minha irmã sonhou que eu era o único ganhador da mega-sena acumulada. Até aí, tudo bem, mas minha irmã sonhou também os números com os quais eu havia ganhado e — absurdo de memória — ainda se lembrava deles. Então me responda o leitor esse enigma: Se alguém que tem sonhos premonitórios sonha algo para alguém que tem apenas sonhos irrealizáveis, esse sonho se concretiza? Na dúvida, aposto nos números que minha irmã sonhou. E, quando esqueço de passar na lotérica ou simplesmente quando não me sobra nem o dinheiro do bilhete, não tem quem me faça conferir o resultado. Já imaginou ver os seis números certos estampados e descobrir que não se é milionário porque não se apostou por esquecimento ou por falta de grana?

A exceção aos meus desconfortos oníricos são meus sonhos de voo. Quando me sonho voando — de longe os sonhos mais prazerosos que tenho —, não acordo com a sensação amarga de não poder voar. Talvez porque não seja possível, aos seres humanos, voar sem ajuda de algum aparelho, eu me conforme com a não realização de meu sonho e já o considere realizado no próprio devaneio. Se um dia a humanidade descobrir uma forma de voar apenas com a força do pensamento, e eu ainda não tiver desenvolvido individualmente essa habilidade, talvez também acorde de meus sonhos voadores com uma sensação amarga de fracasso.

Mas falo como se fosse um experto em sonhos. Não sou. E duvido mesmo que alguém seja. Sonhos são um mistério. São como filmes, mas não existe nenhum IDDb (Internet Dreams Database). Dos sonhos, não se sabe quem foi o diretor, o roteirista ou os atores. Só conhecemos os personagens e a trama, que muitas vezes se assemelham ao cinema experimental: complexo, exagerado e sem sentido.

E, para não dizer que não falei da Copa, ainda não sonhei que o Brasil será campeão. Então ainda temos uma chance.


Comentários

Debora Bottcher disse…
É, Eduardo... Sonhos são um capítulo à parte na nossa vida. Esses dias sonhei que meu pai levava um tiro num assalto - e acordei suada e transtornada. Como isso é possível, não sei - note, meu pai morreu há doze anos de câncer... Vez ou outra sonho com acidentes de avião. Isso é meio estressante, porque aviões caem toda hora, mas quando caem no dia seguinte ao sonho, eu me sinto meio culpada... :) Valha-me... Mas bom mesmo é sonhar acordada - e isso tem me sido raro. Eu ando com um pouco de medo de tudo... :)
Super beijo, moço.
Unknown disse…
Tinha deixa escrito um comentário enorme mas ele sumiu. Será que eu sonhei? Acho que não, porque sou como você. Se eu tivesse sonhado, o recado não estaria se concretizando agora...rs
Bjos!
Marilza disse…
Eu sonho, muito. Mas, ainda sonho acordada.
Mas, como também tenho um misto de ceticismo, criticidade e pé no chão...os meus sonhos logo se dissipam e voltam a virar....sonhos...rs
albir disse…
Edu,
li, em mais de um autor, que um dos melhores exercícios para a escrita e narrar os próprios sonhos. Raramente me lembro dos sonhos depois que acordo. Mas vou tentar. Parabéns pela crônica.
Ah, Debora... Você me lembrou que também tenho sonhado pouco acordado. :(

Fernanda, acho que você teve um sonho premonitório, que se realizou mas do qual você só se lembrou em parte. :)

Marilza, será que sonhos são nuvens? :)

Faça o exercício, Albir. Espero que você tenha experiência em amansar cavalo brabo. :) Sonhos são selvagens.
Carla Dias disse…
Eduardo, ainda outro dia pensei em comprar um livro sobre sonhos, mas então desisti. Ando tendo sonhos muito realistas e extremamente desconfortáveis. Na verdade, não quero o significado deles, mas saber qual botão aperto para ter também os sonhos bons. Pra compensar, sonho acordada. Tem tudo: personagens, viagens, fugas... Mas depois me pego querendo os sonhos na realidade, porque descobri que eles podem ser, mas com atores e equipe diferentes. Então, me dou conta que, ao mudar isso, também eu saio de cena.

Será que devo comprar o livro?
Carla, vamos fazer o seguinte... Eu compro o livro que você vai escrever a partir dos sonhos realistas e desconfortáveis que você está tendo. :)

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