CAFUNÉ [Sandra Paes]

Me faz aí um cafuné! Ouço o personagem dizer, de forma solícita, como se esse feito pudesse apaziguar todos os efeitos dos males causados e os danos criados naquela cabecinha grisalha.

E foi assim para ela, desde menina. O cafuné tinha uma espécie de poder mágico, algo especial mesmo. Era só o gesto de enroscar os dedos nos cabelos e fixar cachinhos no ar que tudo se amainava.

Hoje penso sobre isso e vou eu mesma acariciar os cabelos, enrolando os dedos em forma circular como a desenhar os caracóis por fora e com isso exorcizar os “rolos” de dentro da cabeça. Deve ser essa a magia. Quando se anela cada chumacinho, tira-se assim, como nada, os nós guardados lá dentro das sinapses e, dessa forma, acalmamos a mente, regularizamos os pensamentos desconexos, porque eles se apagam e só fica uma sensação de calmaria, uma pequena onda azul mansa a acompanhar as camadas mais convulsas de até mesmo todos os músculos.

Se a gente se lembrasse do poder de entrega que o cafuné traz, o enlevo que ali se produz, a conexão invisível e poderosa que se dá, mais forte do que qualquer documento selado e carimbado... Ah, se a gente soubesse disso...

Pra que tantas ginásticas? Pra que tanta discussão? Pra quê? Pra que tanta produção na tentativa de agradar?

Outro dia ouvi e vi na televisão um pastor dizer que quando a gente ama a gente quer agradar e que Deus espera que a gente o agrade. O pobre pastor usara do recurso que dispunha pra tentar passar uma mensagem de conforto pra seus fiéis que andam abandonando seu púlpito. Esse talvez não sabe da mágica do cafuné. Será?

E olha que palavrinha mais engraçadinha... Quem será que a criou? Há quanto tempo existe isso? E por que será que nos tempos modernos corremos tanto e não usamos nunca uma fração pequena de intervalo ou mesmo sem intervalo só pra acariciar os nossos cabelos... Toque leve, dedos suaves, como quem desenha sonhos e tem um enorme cuidado em nao desmanchá-os ou deixá-los cair. Cuidados de deuses mesmo... Desses que a gente sabe que se não velar com zelo, tudo se desmancha - e isso a gente não quer de jeito nenhum.

Gostaria de poder medir o que se passa na ternura ou sua seqüência no ato de afagar os cabelos. Mas a ciência não se interessa por esse tipo de pesquisa. Investe em bombas, armamentos sofisticados pra dominar os outros, seja pelo poder bélico ou financeiro. Agora, pesquisar sobre a paz a cada dia, o que amansa os guerreiros, o que traria bem-estar e conforto diretamente pra cada cidadão cansado da batalha diária, ah, isso nem pensar.

Só eu pareço ter esse interesse. Os casais nem se habilitam mais a simplesmente namorar. Procurar de forma tranqüila e mansa algo pra descobrir o outro novamente.Assim, sem pressa nem cobranças. Sem desconfianças, sem defesas levantadas. Sim, sair do espaço de combate. Deixar lá fora tudo que possa ser desgastante e inquisitivo.

Eu aposto no hábito do cafuné. Esse não custa caro, não tem que comprar nas lojas, não precisa de altas produções, nada mesmo. É só se entregar - coisa difícil no mundo de hoje - e permitir o sonho fluir debaixo dos caracóis feitos em qualquer cabeça.

Fiquei apenas com uma dúvida: será que os carecas gostam de cafunés? Será que eles cultivam essa bendita rendição e paz, uma vez que não tem cabelos pra ser acariciados? Deve haver uma solução, porque cafunear é bom demais.

Experimente!

Comentários

Ah, um cafuné...
Que bom que você trouxe esse importantíssimo assunto à tona, Sandra.
Vamos cafunear. :)
Sam Green disse…
Que gostoso ler esse texto!
Fiquei até com vontade de receber um. Vou treinar em mim e ver se funciona.
Anônimo disse…
Ahhh.. aconchego maior ..so' de mae que oferece este bem estar..embalos que nos levam se quizermos ate' Morfeu.
Ler voce e' assim tambem... e' um cafune' no cerebro.
Beijos querida Sandra
albir disse…
Sandra,
até porco-espinho gosta disso. Parabéns pelo texto.

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