DE ESTEREÓTIPOS [Monica Bonfim]

Te economizando a ida ao dicionário, diz o Houaiss que estereótipo é “idéia ou convicção classificatória preconcebida sobre alguém ou algo, resultante de expectativa, hábitos de julgamento ou falsas generalizações”. Uau... uau... uau...

Pois acabei de entrar em casa, tirei os sapatos, pus os pés na mesinha de centro e tomei um mate gelado com limão, enquanto minha secretária para assuntos domésticos estava passando roupas na sala (é atualmente o lugar mais fresco da casa com a chegada do verão amazonense) ouvindo U2 enquanto dança e me pede o CD emprestado para ouvir na casa dela no final de semana. E comenta que ela gosta mais de dançar que as filhas dela — que estão adolescentes e ela cria sozinha, trabalhando em dois empregos. Aproveitei a oportunidade para perguntar por que ela tinha tirado os CDs de pagode que eu estava ouvindo no final de semana. “Pagode, doutora, só quando estou bebendo... ”.

E semana passada eu estava numa reunião cheia de senhores engravatados quando toca meu telefone, eu dou duas ou três instruções ao meu faxineiro e, quando desligo, vem a pergunta:

— Desculpe, doutora, mas a senhora estava falando com quem?
— Meu faxineiro.
— A senhora tem um faxineirO? — o
“o” foi com maiúsculas mesmo.
— Tenho sim, claro, por quê?
— Mas ele é gay?
— Não, não é. É heterossexual convicto, pai de filhos e eu que não ponha moral em casa porque senão ele e a passadeira se conhecem em sentido bíblico.
— Mas ele lava suas roupas?
— Não, meu caro, quem lava roupas é a máquina... ele só põe a roupa na máquina.


Não vou contar o desdobramento (aliás ridículo) do diálogo porque é óbvio: para o conceito machista do “doutor” que comigo discutia, um homem não se presta a ser faxineiro a menos que tenha tendências femininas.

Já eu acho que toda casa tem que ter um homem, nem que seja mediante pagamento. Querem saber se sou capaz de pintar paredes, fazer extensões de telefones, usar furadeiras? Sou, amores, mas nessa altura do campeonato — aliás, como já lhes disse — tenho humildade suficiente para encarar o fato de que, apesar de ser capaz, não sou eficiente na matéria e acho melhor chamar quem sabe. Meu faxineiro é o rei da eficiência nessas matérias: instala aparelhos elétricos (os eletrônicos sou eu), conserta coisas, pinta paredes, varre a casa, encera os móveis, lava as paredes, põe a roupa na máquina e ainda faz serviços externos para o meu escritório de vez em quando.

Mas aí eu olhei para mim mesma e fiquei rindo: solteira, 48 anos, um cachorro... Oh! céus! Já teve um desavisado que achou que eu ficava os finais de semana com um paninho na mão limpando bibelôs... AAAAAAAAAAAAAAAAARGH!

E na sexta passada, saio eu para comemorar uma vitória jurídica de uma amiga que representei e que, como eu, gosta de vinho, e no lugar em que bebíamos se aproxima um sujeito que pede para sentar à mesa. Como ele foi educado, nós consentimos, mas aí ele resolveu chamar um amigo. E o amigo... Ai, ai, ai. Na quinta vez que ele me interrompeu no começo de uma frase, a minha paciência — que já tinha nadado na primeira garrafa de vinho e começava a se afogar na segunda — foi para o brejo e disse a ele que o assunto estava ótimo antes dele sentar, e que se ele não tinha vindo para acrescentar nada e só para interromper o papo ele podia se retirar. Duas mulheres bebendo num bar têm que estar catando homem? Mas que absurdo!

Para vocês verem, senhoras e senhores, quão limitada é a ótica de quem rotula a vida e as pessoas segundo padrões preconcebidos e falsas generalizações: meu faxineiro não é gay, minha empregada não gosta de pagode e eu, heterossexual desde criancinha e solteira, continuo achando que antes só que mal acompanhada.

Comentários

Juliêta Barbosa disse…
Monica,

Não foi esta a tua intenção, eu sei, mas ganhaste uma fã. Vou ficar de olho nos teus próximos textos. Parabéns!
Unknown disse…
Julieta, obrigada...
Amor amor disse…
Mônica, amei a idéia de ter uma faxineiro, o máximo. E a idéia de estar solteira depois dos 40, colocada assim, me parece muito interessante! Muito bom o texto, me diverti horrores, hahaha!

Beijocas doces cristalizadas!!! ;o)
Analu disse…
Monica, my darling, sempre pertinente. Pois vc sabe que eu penso igualzinho a vc. Antes só do que mal acompanhada.
E quantas cervas tomamos juntas num barzinho aqui em Petrô durante uma tarde longa e agradável e nem por isso estávamos à procura de alguém. Só de nós, que não nos víamos há anos...mas enfim...preconceitos...rotulações. O povo medíocre é assim.
mil beijos e saudades!
Unknown disse…
Nalu querida... é por isso que a gnete sempre pode beber mais cervas...risos... e tome assunto.

Brigadim
Ed Gomus disse…
Olá, Monica! Adorei o texto. Crítico e bem humorado - na medida certa do sarcasmo. Achei que vc esbarrasse com caras chatos só em bares de São Conrado. Teve sorte de ele também não ter jogado a gimba do cigarro no balde de gelo das duas... bjs Leandro.
Unknown disse…
Le... eu agradeço muito àquele chato que jogou o charuto no balde de gelo, sabia? hahahahahahahahaha
Naiara disse…
Encontrei seu texto hoje, que sorte! Ameeeeei
Parabéns

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