VÁ, DOR! >> Eduardo Loureiro Jr.

Escrever não o que está sendo, mas o que há de vir... Como quem descreve o sonho antes de dormir. Feito quem planeja instantes sem planos de os cumprir.
Pouco tão me falta. Eu padeço é de raros excessos.
O corpo é corda — levemente tensa — de instrumento. Alguém que toca. O corpo que dança não é o que dança, é o que é tocado, e junto toca. Existe o silêncio do antes, o impacto do momento e a vibração do depois. Silêncio novamente.
Diz o sal:
— Vá, dor!
E a dor se vai em salgada obediência.
O bem é tão grande que envolve o mal em suas pequenezas e o faz girar: rodopios de dança.
Este mundo está levitando. A música está tirando nossos pés do chão. A alegria nos assombra feito um fantasminha. Brincadeira de criança: vida, tempo, som.
De vez em quando, levamos a sério. Crises, desastres, assassinatos, violações. A vida é tão amedrontadora quanto um teatro de assombrações.
Eu quero contar uma história, a nossa. Simples e tocante feito a que ouvi ontem...
Um homem pobre em Buenos Aires. O filho brasileiro que não vê o pai desde os 3 anos. Milhares de quilômetros — e uma língua — que os separam. A busca em listas telefônicas. O encontro marcado. O filho que toca o ombro do pai. O pai que, após 24 anos, sente e ouve o filho sem o ver: está cego. Um violino, que o pai músico esperava há meses, chega finalmente — no preciso dia — e é dado de presente ao filho. Revelações de distância: a mãe do pai escondia as cartas que chegavam da mãe do filho.
As histórias precisam do tempo que se sucede. E o tempo não se sucede mais em mim. Olho tudo e vejo tudo. O tempo se há convertido em espaço. Eu vejo tudo da minha distância. E — feito potente telescópio — vejo tudo em cada detalhe de tudo ser.
Mas desagradam-me as frases curtas, a prosa fria. Quero a alegria de ser quem não penso que sou. Estar na praia embaixo do guarda-sol ao invés de caminhar. Mover-me lentamente em engarrafamentos. Sambar um show inteiro. Passar a noite entre fumantes e bêbados.
Viajar devolve-me o coração. Viajar é chegar à beira de si: beira com beira de outro si. Viajar devolve-me as gentes. O corpo — corda — vibra com o olhar da menina, com o vestido da menina, com o canto da menina, com o toque. Meu corpo frágil feito uma bola de sabão — na mão espalmada.
Tudo por um triz. Avião que acelera antes vôo. Mão que vai abrir torneira. Sonho prestes já em carne. Texto quase sem palavra. Transição de relógio em meia-noite: muda tudo, muda nada.
Senhor do Bonfim, me dê um bom meio — porque o começo já foi há muito tempo.
Comentários
Mas hoje li e reli seu texto e fiquei aqui, imaginando o que se passa nessa sua cabeça enquanto você escreve, de onde surge tanta inspiração...E isso só pode ser coisa do Senhor do Bomfim que te abençoou sim, do começo ao fim.
Roubei uma frase pro orkut. :)
beijo grande!
Ah, Claudia, o vento É do ar do Pátio. :) Minha frase ficou linda em seu lugar de honra. Grato.
Beijo,
Thaís, estou precisando mesmo dar uma esticadinha pra conhecer Porto Alegre qualquer dia desses. :)