A VELHA INFÂNCIA >> Eduardo Loureiro Jr.

Então acordei com a voz de minha avó antes mesmo de minha mãe nascer, com a voz de minha mãe quando eu era criança e com a voz de minha filha quando eu for pai. Quando se acorda assim, não se pensa no dia, no mês ou no ano. É-se um com o Tempo passadopresentefuturo. É preciso acordar assim pra confortar novamente a desconfortável sensação de que, quanto mais o tempo parece passar, mais eu me sinto menino.
Eu sempre fiz pouco dos que idolatram a infância sem retorno. E eu pensava que era só porque eu não tinha tido uma infância à qual quisesse retornar. A impressão agora é de que envelhecer é caminhar para a própria infância. A infância é retornável. O que não se pode é voltar para aquela velhice menina.
Sinto minha infância tão iminentemente próxima que qualquer dia desses começarei a andar em muros, trepar em árvores, quebrar braços e pernas, beijar estranhos e fazer outras coisas que nunca fiz quando criança. A vida, para mim, está passando de trás para adiante. Posso, a qualquer momento, perder a maioridade que já tinha aos 7 anos. Estou pronto para reganhar a virgindade, dar e receber o primeiro beijo.
Só não me queiram de volta à escola. Minha bunda já cumpriu a sua cota em carteiras de madeira. Quero os pés descalços na grama e na areia. Quero a coragem de querer o que eu quero e não o que eu acho que deveria querer. Quero a vida mesmo, ao vivo, sem protelação. Ser o que sou hoje, e o que fui sempre e o que serei quando. Provocar a adultice para além do "porque não": por que "porque não"? Por que não "pode, sim"?
Mãe e Vó falam despreocupadamente, às 8 da manhã, sem saber que este será o primeiro som que um de seus descendentes malucos ouvirá, e que isso o fará querer viver uma vida de sonhos, sem limites, sem concessões à tristeza, sem meios-termos.
Sim, a vida pode ter tapioca sabor beijo-na-boca no café da manhã, o banho de mar pode ser banho de amar, o baião-de-dois com paçoca, carne de sol, macaxeira e ovo mexido pode ser comido com o baião-de-muitos da família reunida, o cochilo da tarde pode ser com rede armada no caramanchão, o pôr-do-sol pode vir com Lua Cheia, o céu pode ser estrelado e a boa noite pode terminar com um boa-noite cochichado ao ouvido.
À medida que essa infância se aproxima, meus cabelos vão gestando cachos, minha cabeça vai formando raios, meus pensamentos vão ganhando ondas, minhas idéias vão criando mares e eu quero mais é navegar — em barquinho de papel, de preferência.
Até o dia em que eu desmorrer, entrar por um buraco parecido com o que eu nasci e descobrir que do lado de lá da vida existe uma vida do tamanho da vida que a gente sonhou aqui.
Comentários
Sou somente mensageira pra vir aqui e agradecer -- quisera que tivesse como mandar virtualmente o "muito obrigada por nos comover" num aviãzinho de papel. :)
beijo!
Claudia, seu aviãozinho de papel chegou carregado de meninos e meninas agradecidos. Estamos todos aqui brincando na maior farra. :)
Belas imagens,lindo encontro! Emocionada, espero vê-lo com a filhota... Bjim, Dri
Carla, o ar do pátio arejará todos os cantos de mundo. :)
porque eu demorei tanto a elr a sua crônica, essa semana.
está linda, linda.
tem um espaço na sua árvore, pra outr criança?
:)
bjs!
ana