UM BEIJO ROUBADO >> Carla Dias >>


Ao contrário do que muitos pensam, a sutileza tem uma força extraordinária. Não é sinônimo de fragilidade, de quebranto; não idolatra medos ou apatias. Valer-se da sutileza requer habilidade para resguardar importâncias, protegê-las da vulgaridade.

A sutileza transgride o imperativo, mas nem por isso deixa de mostrar a que veio. É quase uma forma de arte... De se atrever a experimentá-la.

Gosto de filmes sutis, onde roteirista, diretor e atores conseguem trançar acontecimentos arrebatadores, dolentes, extasiantes, magnânimos, através de um olhar embebido por sutileza. Como se fosse possível observar sentimentos com a proximidade de quem cochicha segredos nos ouvidos dos outros. De quem os escuta, conhece e protege.

Acho que por isso “Um Beijo Roubado” (My Blueberry Nights) é um dos que mais me emocionaram no que se refere ao conjunto da obra: fotografia, interpretação, direção, roteiro e trilha sonora. A princípio, eu quis assisti-lo por ter Norah Jones no papel principal. Adoro a música dela, mas confesso ter ficado curiosa sobre seu lado atriz. Depois, Jude Law é dos meus preferidos, desde “Gattaca”, assim como Natalie Portman o é desde “O profissional”. Além deles, uma exuberante Rachel Weisz, que me fez lembrar de ótimos filmes, como “O Jardineiro Fiel" e "Constantine".


Quando o aluguei, esperava que fosse apenas um bom filme sobre solidões, como deduzi, depois de ler a sinopse. E se há algo que me faz um bem danado é me surpreender positivamente. “Um Beijo Roubado” fala sim sobre solidões - as impostas -, mas também sobre a coragem de vivê-las e sobrevivê-las. É o que Elizabeth (Norah Jones) decide fazer ao ser abandonada pelo namorado: redescobrir-se, antes de (re)iniciar-se na arte de tornar a vida mais simples e profunda.

É por conta do abandono que ela conhece Jeremy (Jude Law), o dono de um charmoso café que seu ex costumava freqüentar. Ela resolve deixar a chave do apartamento com ele, caso o ex queira pegá-la de volta. Mas há uma sintonia imediata entre eles e Elizabeth ingressa, primeiramente, numa viagem de reconhecimento do outro. Seja através do questionamento sobre o por que de a torta não ter saída, pelas chaves ou pelos abandonos, Elizabeth e Jeremy conversam todas as noites. Ele sempre a espera com um pedaço de torta sobre o balcão, mas um dia ela não aparece... É quando começa a aventura de Elizabeth, que vai de Nova York para Memphis, Tennessee, onde tem dois empregos, numa busca pelo próprio caminho.

Enquanto Jeremy espera pela volta de Elizabeth, ela envia a ele um cartão-postal, sem endereço. Ele até tenta localizá-la, mas sem sucesso.

Nessa jornada, Elizabeth conhece pessoas peculiares, como Arnie Copeland (David Strathairn), um policial que se tornou alcóolatra ao ser abandonado pela esposa, Sue Lynne (Rachel Weisz), que é responsável por um dos mais pungentes momentos do filme. Já em Nevada, conhece Leslie (Natalie Portman), garota complicada, que adora jogar pôquer e diz saber ler o rosto da pessoas.

Geralmente, eu não gosto dos títulos em português que dão aos filmes estrangeiros, mas dessa vez quem intitulou o filme merece o crédito. O tal do beijo roubado existe e, podem apostar, é responsável por uma das mais belas cenas do filme.

Outra coisa muito importante... A trilha sonora, elaborada pelo próprio diretor do filme e por Eli Wolf, é impecável, traduzindo com bom gosto o cenário do filme. Canções como “Living Proof” de Charlyn Marshall, interpretada por Cat Power e “Skipping Stone” de Amos Lee, são apenas aperitivos que precedem um verdadeiro banquete musical. “The Story” de Norah Jones merece ser celebrada como uma bela canção que nasceu para abraçar este filme. Também fazem parte da trilha sonora: “Ely Nevada” (Joachim Cooder) por Ry Cooder; “Try a Little Tenderness” (Campbell/Connelly/Woods) por Otis Redding; “Looking Back” (Benton/Hendricks/Otis) por Ruth Brown; “Long Ride” (RyCooder/Joachim Cooder) por Ry Cooder; “Eyes on the Prize” (Traditional) por Mavis Staples; “Yumeji’s Theme” (Shigeru Umebayashi) por Chikara Tsuzuki; “Bus Ride” (Martin Pradler) por Ry Cooder; “Harvest Moon” (Neil Young) por Cassandra Wilson; “Devil’s Highway” (Joachim Cooder/Juliette Commagere/Jared Smith/Ben Messelbeck) por Hello Stranger; “Pajaros” por Gustavo Santaolalla e “The Greatest” (Chan Marshall) por Cat Power.

As sutilezas impregnam "Um Beijo Roubado", o primeiro em inglês de Wong Kar Wai (2046/Amor à Flor da Pele) e, obviamente, não as desfiarei a vocês. Assistam ao filme com o coração aberto, permitindo-se embarcar nas histórias dos personagens e, certamente, terão uma ótima viagem.




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Comentários

Anônimo disse…
Beijos roubados têm um gosto peculiar por si só... Se contar com Jdy Law,então... É,esta leitura nos arremete aos próprios desencontros e reecontros (com beijos roubados, claro) ... Amei, Carla...bjks
O filme é mesmo lindo. Grato por me lembrar dele, e de maneira também tão delicada.
Carla Dias disse…
Dri... Vai roubar beijos que valem ser beijados! É preciso tempo para encontrá-los, minha irmã.

Eduardo... Então eu não estou louca? Porque achei esse filme algo assim... bom...
Anônimo disse…
Gosto de filmes que exploram o redescobrir-se, porque muitas vezes eles nos faz pensar em situações jamais vividas.Acredito que quando amadurecemos e procuramos ser cada vez melhores,temos a tendencia de levar a vida com mais simplicidade e sensibilidade.Fiquei com muita vontade de assistir esse filme!Bjos!!
Oi, Carla! Este Crônica do Dia anda movimentado, não? Crônica todos os dias da semana. Coisa boa de se ver e de se ler.:) E uma das coisas que mais aprecio é a sensação que tenho de ler seus textos como quem está numa roda de amigos, ouvindo uma boa música e falando sobre arte e cultura!
Carla Dias disse…
Angela...
Ah, prima... Sempre bom vê-la por aqui : )
Espero que você tenha conseguido assistir ao filme. Tenho certeza de que irá gostar.

Marisa...
Veja só... Essa Casa-Crônica tá que é uma festa! Bom, não?
E acho que sim... Estou numa roda de amigos, falando sobre cultura, feito moleca adorando devorar suspiro comprado ali no mercadinho.
Anônimo disse…
Carla, Carla,
Que maravilha é ler as suas escritas, que suave, que delícia e que empolgante, dá muita vontade de ver o filme.
Beijão saudades,
Patrícia (prima)
Carla Dias disse…
Prima... Obrigada por me visitar aqui : )

Assista sim ao filme... Às vezes, o coração da gente pede algo assim, mais simples, apesar de parecer complicado. Terno.

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