MAIS DOS MESMOS >> Claudia Letti


Há muito que li — ou ouvi — em algum lugar sobre uma pesquisa que apontava a preferência infantil por rever incontáveis vezes os mesmos filmes ou desenhos animados. As novidades nesse mercado, portanto, não são tão importantes assim, se a pesquisa realmente foi fiel ao perfil das crianças mundo afora. Se a mesma pesquisa fosse feita para adultos, talvez nos surpreendêssemos com as poucas variantes de hábitos da infância para a idade adulta. Nós pedimos por novidades, mas gostamos dos repetecos, reinventamos novas maneiras para fazer as mesmas coisas e compramos dvd's de nossos filmes e shows preferidos. Defendemos nossos ídolos musicais, comprando e cantando seus trabalhos, mesmo que sejam apenas mais do mesmo. As mudanças na idade adulta vão se fazendo num crescendo e, mesmo quando é sempre, é sempre devagar. Ansiamos pelo novo mas, nos agarramos no que nos é conhecido, seguro e — por que não dizer? — convencional.

Esta semana, devorei "Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia", de Nelsinho Motta, enquanto ouvia dois cd's novos na minha discoteca doméstica: "Labiata", de Lenine e "Satolep Sambatown", de Vitor Ramil muitíssimo bem acompanhado por Marcos Suzano. Eu, fanzoca declarada dos cinco supracitados, tive um claro déjà vu em ambos os cd's e, apostando que gosto, antes mesmo de concluir o sabor, cantarolei os refrões e acompanhei as letras, porque sei que quando a paixão não bate à primeira vista, vence pela repetição (ou rendição). Tim Maia, por exemplo, tinha essa sabedoria: dizia que não priorizava músicas novas em shows porque as pessoas gostam de cantar as velhas e conhecidas baladas. Nós somos assim mesmo, queremos o novo mas pedimos, gritando quase em uníssono, a música velha e sabida, se o ídolo não levá-la ao palco.

Nós temos esse pé no sapato velho e confortável, enquanto paqueramos novos modelos pelas vitrines, desconfiados se ficariam de acordo com nosso conhecido guarda-roupas. Admiramos Joãosinho Trinta pelo luxo com que revestiu a Apoteose, mas não entendemos direito quando ele cobriu o Sambódromo de famigeradas alas mendigas. Queremos mudanças políticas, mas aceitamos comodamente que político é uma raça complicada e fechamos as janelas para os bons ventos porque ventos novos despenteiam nossas chapinhas e bagunçam os papéis da nossa vida, sem os quais tememos não fazer parte de uma grande tribo de iguais. Queremos adrenalina mas temos medo de sofrer um infarto. Admiramos o verde, mas vamos de azul porque combina melhor com nossas calças, mesmo que sejam velhas e desbotadas. O novo é um ilustre desconhecido e nós crescemos cúmplices da previsibilidade.

Dos cd's que ganhei, a sensação de mais dos mesmos não me abandonou. Lenine tem algumas músicas que parecem autoplágio, como diz meu amigo Fausto Rêgo. É tão Lenine que, quando alguma coisa muda, dá pra sacar que Arnaldo Antunes — outro, inconfundível — está entrando em cena. Mas é Lenine, com sua batida, letras e estilo e por isso mesmo é um cd que não dá pra deixar de ter. Vitor Ramil se repete no estilo musical e mantém a poesia das letras, para mim, sua marca registrada. Aliás, eu às vezes acho que Ramil tem um tom sutilmente Caetano, daquele jeito que faz o jazz na letra e o jaz na voz mas, isso já é outra viagem. O cd de Ramil e Suzano traz uma participação bacana de Jorge Drexler e tem um colorido novo embora mantenha o tom do "Verde" — que a mi me gusta —, o que reforça essa sensação que gostamos mesmo do que nos é familiar.

Todos temos (quando não buscamos), em alguma área da vida, pra dizer o mínimo, a 'Síndrome Ivan Lins' (tá bom, já é um exagero, visto que esse sim é o rei do autoplágio), mas concordamos que o mais dos mesmos nos atrai em maior ou menor grau, dependendo da evolução patológica de cada um. Eu, que tomei o livro do som e a fúria de Tim Maia emprestado, assumo: vou já comprar o meu. Quero um exemplar na minha biblioteca modesta, senão pela vontade de ler de novo — que sei me acometerá dia desses —, pelas frases de Tim Maia, que valem tu-do! Muitas dessas frases são nossas velhas conhecidas, mas, inseridas nas histórias de onde nasceram, ficaram como novas.

Comentários

Anônimo disse…
Quanto orgulho do teu pensar,que serve feito luva de pelica macia, minha admiração e carência de cabeças pensantes como a tua, que me são tão gratas e escassas.
Te amo
Amo teu coração aventureiro
Amo teu intelecto brando e questionador
TU SEMPRE ME MOSTRAS "El CAMINO DELA LUZ", MESMO QUE SEJA DE 10 EM 10.
NILDINHA RPM
Andre disse…
Dá pra ouvir sua voz, com sotaque e tudo, enquanto leio novamente essas frases tuas.

A ignorância é um tipo de fome que tem de ser sabiamente saciada. E a minha mora com a seguinte pergunta: o que é sindrome de ivan lins?

Finalizo dizendo que as vezes penso ter-me tornado uma criança grande com acesso a carros e a cartões de crédito, querendo coisas mas sempre desejando "repetir a papinha".
Fausto disse…
E que fique claro: plagiar Lenine é, pelo menos, um sinal de extremo bom gosto. Mesmo quando feito pelo próprio. ;-)

Beijos!
Unknown disse…
Nildinha, que vento bom é seu comentário! Obrigada! Beijo grande!:)

André, Ivan Lins é um músico talentoso que eu gosto mas, já gostei mais, justamente porque ele parece estar sempre cantando a mesma música -- as melodias são tão parecidas que parecem iguais, é isso!
Bom vr você por aqui! beijão!

Fausto: SIM, Lenine é tudibom. Vitor Ramil é incontestável. Eu pensei em listar mais alguns auto-plágios, igualmente bons mas daí de crônica passaria a capítulo. :)
beijo grandão!
albir disse…
Já estava com saudades de suas aulas de MPB. Sem elas tenho medo de começar a ouvir pagofunk.
Beijos.
Fausto disse…
Um que não poderia faltar na lista é o Lulu Santos (de quem eu gosto, aliás).

Mais beijo!
Ôxi, Claudia!! Você já escreve bem e ainda se dá ao direito de entender de música? Não é muito numa pessoa só, não? :)
Anônimo disse…
Clau,

Estou com o livro do Tim na minha mesinha de cabeceira entre os tantos que esperam para serem lidos. Depois da tua crônica, com certeza farei com que ele fure a fila! Quanto aos cds do Vitor e do Lenine, ainda não conheço nenhum dos dois. Adoro Lenine e, é claro, que ele já está na minha lista. Vitor Ramil me lembra meus tempos de garota...saudaaadessss! A gente gosta mesmo de revisitar o passado, né?
Obrigada, guria, pelos toques, sempre tão preciosos.

beijo grandão pra ti
Unknown disse…
Albir querido, aula de mpb já é uma generosidade sua, pra não dizer exorbitância. Eu gosto que me enrosco po qualquer nota que lembre mpb e ao dar meus pitacos devo estar falando um monte de bobagem, creia. De todo modo, não se entregue ao pagofunk, por favor. Compra o Ramil, antes, eu prometo você vai gostar. :)
beijo!

Marisa, veja bem rsrs acabei de explicar para o Albir, eu sou apaixonada por música, e a gente sabe que mulher apaixonada nem sempre enxerga muito bem, então não leve assim tãoooooooo a serio. Mas ter você nos lendo aqui é sempre uma delícia, viu!?
Unknown disse…
Ana, leia o livro. Se você estiver alegre, vai colocar Tim Maia pra cantar junto. Se estiver triste, vai melhorar porque as frases do Tim me fizeram soltar generosas gargalhadas. E, se puder, compre os cd's. Ambos. Poesia com música, mesmo que pareçam mais dos mesmos, é alimento pra alma. Bom ver você por aqui! Beijo grande!

Fausto,Lulu também entraria pra lista dos que amo e reconheço de longe. Eu lembrei de tanta gente... João Gilberto então!? Marisa Monte depois dos Tribalistas ficou infinita e particularmente meio igual, ehehe. Mas se eu fosse listar à vera, ia ser outra crônica e eu estou entusiasmada com o livro e os dois cds que ganhei.
mais beijo!

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