DEPOIS DA LIÇÃO >> Ana Coutinho
Nas minhas lembranças mais antigas existe esse período doloroso que as crianças atuais também conhecem: a lição de casa. Ela sempre foi um tormento para mim. Quando eu terminava de almoçar, minha mãe me mandava ir até o quarto, e eu só poderia sair de lá quando completasse a fatídica lição de casa. Era ela contra mim. Papéis e mais papéis cheios de números e perguntas, frente a frente com uma menina que só queria ir brincar no térreo. Mas não podia. Não antes da lição. Essa era a minha multa, o meu pedágio, o preço a pagar por uma alegria tão fugaz e banal quanto um pega-pega...
Por muitos anos, eu sonhava com o dia em que conseguiria terminar a tarefa em 10 minutos. No entanto, isso nunca aconteceu. A minha dura rotina era ficar horas (a mim, sempre pareceram longas horas) sentada à escrivaninha marrom, olhando para aqueles papéis todos, lápis em punho, sem nem saber por onde começar. Às vezes, o tempo passava e só o que eu tinha feito era gastar toda a borracha colorida, só para juntar seus fragmentos. Outras tantas, eu tinha feito desenhos, falado sozinha, cantado no quarto ou simplesmente ficado ali, parada pensando na vida, enquanto meus amigos - mais velozes e espertos do que eu – brincando satisfeitos no térreo, faziam barulho e me matavam de inveja.
A lição de casa não era meu único martírio na infância. Havia outros: A sobremesa só depois da alface, o presente só depois da obrigação, a coca-cola só se – antes - eu tomasse um golinho de suco... Por que o prazer, a nós, sempre tinha de ser seqüência de uma chatice? Por que às crianças não é dado o prazer livremente, de graça, sem que ele sempre custe tão caro, sem que, sobre a alegria de um pega-pega com os amigos, haja tamanha incidência de imposto? Se não podíamos ter almoço grátis na infância, quando então poderíamos? Ainda não entendo bem o que pretendemos ensinar às nossas crianças afinal.
Hoje, mulher feita, pago minhas contas, escolho minhas roupas, decido a hora em que vou dormir, tenho talão de cheques e cartão de crédito com algum limite disponível. No entanto, em muitos dos meus dias, vejo-me exatamente como a menina de 10 anos, horas e horas a sofrer com o lápis nas mãos, observando de longe o lugar onde eu quero estar.
Chego ao trabalho e, como aquela menina, estou cheia de tarefas para terminar. Planilhas a completar, relatórios para montar, problemas a resolver. Sou ocupadíssima e, talvez, a olhos alheios pareça uma executiva feliz em seus saltos altos. Mas não é verdade. A verdade é que eu, tal qual a menina, torço para que as horas passem depressa e aceno para o prazer, logo ali, no térreo. Faço isso o tempo todo. Cada vez que entro em um blog, cada vez que anoto uma idéia para um texto, cada vez que ligo para uma amiga, vejo-me de novo menina, dançando no quarto, cheirando a borracha cor-de-rosa, roubando da obrigação alguns poucos minutos de distração e prazer.
Portanto não é errado dizer que fui enganada. Disseram-me que, depois de adulta, eu poderia decidir a minha vida, escolher o que fazer, e, se odiasse matemática, teria a opção de abandoná-la na maturidade. Afinal de contas, depois de anos tentando entender os números, haveria de chegar a hora do prazer. Depois da chatice, a alegria. Depois da alface o chocolate, lembra? Pois eu devo ter perdido alguma coisa. Quando é que me deram esse superpoder? Em que bonde foi que passou isso que eu não vi? Se eu poderia abandonar os números, há algo errado com a tela à minha frente. Nela, perco-me tentando entender os =SUM(VLOOKUPM (!@#$%@ptaquepariu&¨%) e quase que choro como um bebê quando, depois de muito esforço, recebo a informação #VALUE! Pois então, me devolvam aqui aquela lição de fração, que acho que eu prefiro...
Enganaram-me e – pior- enganei-me eu mesma, por anos e anos a fio. Talvez ainda me engane hoje, quando troco rapidamente a tela de um blog por uma planilha de excel, apenas porque noto que estou sendo observada. Sou o ALT + TAB mais rápido do oeste e deve ter alguma coisa errada nesse meu talento adquirido... Engano-me quando prometo a mim mesma que, depois de pronta a apresentação, poderei ler o resumo da novela; depois de feito o relatório, poderei ver a crônica do dia; depois de encerrado o expediente, poderei escrever livremente aquele texto que não me sai da cabeça, ou contar aquela novidade àquela amiga. Aquela doce amiga para a qual eu aceno, às vezes, enquanto estou encarcerada na escrivaninha marrom, e ela, livremente, brinca no play...
Por muitos anos, eu sonhava com o dia em que conseguiria terminar a tarefa em 10 minutos. No entanto, isso nunca aconteceu. A minha dura rotina era ficar horas (a mim, sempre pareceram longas horas) sentada à escrivaninha marrom, olhando para aqueles papéis todos, lápis em punho, sem nem saber por onde começar. Às vezes, o tempo passava e só o que eu tinha feito era gastar toda a borracha colorida, só para juntar seus fragmentos. Outras tantas, eu tinha feito desenhos, falado sozinha, cantado no quarto ou simplesmente ficado ali, parada pensando na vida, enquanto meus amigos - mais velozes e espertos do que eu – brincando satisfeitos no térreo, faziam barulho e me matavam de inveja.
A lição de casa não era meu único martírio na infância. Havia outros: A sobremesa só depois da alface, o presente só depois da obrigação, a coca-cola só se – antes - eu tomasse um golinho de suco... Por que o prazer, a nós, sempre tinha de ser seqüência de uma chatice? Por que às crianças não é dado o prazer livremente, de graça, sem que ele sempre custe tão caro, sem que, sobre a alegria de um pega-pega com os amigos, haja tamanha incidência de imposto? Se não podíamos ter almoço grátis na infância, quando então poderíamos? Ainda não entendo bem o que pretendemos ensinar às nossas crianças afinal.
Hoje, mulher feita, pago minhas contas, escolho minhas roupas, decido a hora em que vou dormir, tenho talão de cheques e cartão de crédito com algum limite disponível. No entanto, em muitos dos meus dias, vejo-me exatamente como a menina de 10 anos, horas e horas a sofrer com o lápis nas mãos, observando de longe o lugar onde eu quero estar.
Chego ao trabalho e, como aquela menina, estou cheia de tarefas para terminar. Planilhas a completar, relatórios para montar, problemas a resolver. Sou ocupadíssima e, talvez, a olhos alheios pareça uma executiva feliz em seus saltos altos. Mas não é verdade. A verdade é que eu, tal qual a menina, torço para que as horas passem depressa e aceno para o prazer, logo ali, no térreo. Faço isso o tempo todo. Cada vez que entro em um blog, cada vez que anoto uma idéia para um texto, cada vez que ligo para uma amiga, vejo-me de novo menina, dançando no quarto, cheirando a borracha cor-de-rosa, roubando da obrigação alguns poucos minutos de distração e prazer.
Portanto não é errado dizer que fui enganada. Disseram-me que, depois de adulta, eu poderia decidir a minha vida, escolher o que fazer, e, se odiasse matemática, teria a opção de abandoná-la na maturidade. Afinal de contas, depois de anos tentando entender os números, haveria de chegar a hora do prazer. Depois da chatice, a alegria. Depois da alface o chocolate, lembra? Pois eu devo ter perdido alguma coisa. Quando é que me deram esse superpoder? Em que bonde foi que passou isso que eu não vi? Se eu poderia abandonar os números, há algo errado com a tela à minha frente. Nela, perco-me tentando entender os =SUM(VLOOKUPM (!@#$%@ptaquepariu&¨%) e quase que choro como um bebê quando, depois de muito esforço, recebo a informação #VALUE! Pois então, me devolvam aqui aquela lição de fração, que acho que eu prefiro...
Enganaram-me e – pior- enganei-me eu mesma, por anos e anos a fio. Talvez ainda me engane hoje, quando troco rapidamente a tela de um blog por uma planilha de excel, apenas porque noto que estou sendo observada. Sou o ALT + TAB mais rápido do oeste e deve ter alguma coisa errada nesse meu talento adquirido... Engano-me quando prometo a mim mesma que, depois de pronta a apresentação, poderei ler o resumo da novela; depois de feito o relatório, poderei ver a crônica do dia; depois de encerrado o expediente, poderei escrever livremente aquele texto que não me sai da cabeça, ou contar aquela novidade àquela amiga. Aquela doce amiga para a qual eu aceno, às vezes, enquanto estou encarcerada na escrivaninha marrom, e ela, livremente, brinca no play...
Comentários
Brincadeirinha. Continue escrevendo lindamente assim no Crônica do Dia mesmo. :)
Há coisas deliosas e coisas chatonas aqui no térreo também e eu fico doida que chegue a hora do lanche, o dia do aniversário da Paulinha, a aula de natação, o domingo no clube, a viagem de férias para a praia, os passeios na casa da avó, etc.
Belíssima crônica! Adorei!
Beijos, querida.
Portanto, é bom ser rápida no ALT+TAB para garantir que alma ganhe um pouco de sobremesa... antes do jantar, que seja!